Pesquisadores do HU publicam trabalho inédito sobre leishmaniose

Pesquisadores do HU publicam trabalho inédito sobre leishmaniose

Artigo saiu em revista internacional especializada em doenças infecciosas, a Acta Tropica.

Pesquisadores do Hospital Universitário (HU) da UEL realizaram uma pesquisa, entre novembro de 2020 e julho de 2023, no HU, em que foram avaliados pacientes com lesões ativas causadas pela leishmaniose cutânea (LC), e revelaram descobertas que são inéditas até o momento. O trabalho foi publicado na revista Acta Tropica, uma publicação internacional especializada em doenças infecciosas que cobre ciências da saúde pública e pesquisa biomédica, com ênfase particular em tópicos relevantes para a saúde humana nos trópicos e subtrópicos. O material completo pode ser acessado diretamente neste link.

O anatomista Allan Bussmann e o professor Sérgio Marques Borghi, responsáveis pela pesquisa, apontam que os achados revelam pela primeira vez detalhes anatomopatológicos, microbiológicos e nociceptivos de úlceras indolores em pacientes diagnosticados com LC, o que tem implicações clínicas importantes para uma melhor compreensão da intrigante característica clínica indolor das lesões provocadas no curso da LC em humanos.

O professor Sergio Marques Borghi é docente-orientador em nível de mestrado e doutorado dos Programas de Pós-graduação em Ciências da Saúde da UEL e Exercício Físico na Promoção da Saúde da Unopar; e Allan Bussmann é membro da equipe de necropsia e histotecnologia do Laboratório de Anatomia Patológica (LAP) do HU e docente da Inesul, ambos pesquisadores ligados ao Laboratório de Dor, Inflamação, Neuropatia e Câncer (LADINC) da UEL. Eles ressaltam a importância do estudo para a melhor compreensão da sintomatologia da doença.

Allan Bussmann e Sérgio Borghi, responsáveis pela pesquisa que permite grande avanço na fisiopatologia da leishmaniose (Marco Corbanez/Agência UEL).

Doença negligenciada

As leishmanioses são um conjunto de síndromes de grande complexidade, sendo uma das principais doenças infectocontagiosas no mundo. No entanto, é uma doença negligenciada por acometer principalmente a população de baixa renda em países subdesenvolvidos e/ou em desenvolvimento. Essa doença é causada por protozoários do gênero Leishmania e da família trypanosomatidae.

De um modo geral, essas enfermidades se dividem em leishmaniose tegumentar americana (ou cutânea; LC), que ataca a pele e as mucosas, e leishmaniose visceral, que acomete os órgãos internos. A doença provoca úlceras na pele e mucosas. No Brasil, há sete espécies de leishmanias envolvidas na ocorrência de casos de LC, sendo as mais importantes a Leishmania (Leishmania) amazonensis a e L. (Viannia) guyanensis e L.(V.) braziliensis.

A doença é transmitida ao ser humano pela picada das fêmeas de flebotomíneos (espécie de mosca) infectadas. Dados do Ministério da Saúde indicam que, em média, são registrados cerca de 21.000 casos por ano, com coeficiente de incidência de 8,6 casos por 100.000 habitantes nos últimos 5 anos. O do Paraná, inclusive a região de Londrina, também tem apresentado número significativo de infecções diagnosticadas nos últimos anos.

O professor Sérgio Borghi cita que a LC é caracterizada por crises irregulares de febre, redução substancial de peso, esplenomegalia (aumento do baço), hepatomegalia (aumento do fígado) e anemia grave. Se a doença não for tratada, a taxa de mortalidade pode ser alta. Borghi aponta que, dentre os sintomas, a LC geralmente produz úlceras nas partes expostas do corpo, como rosto, braços e pernas. “Pode haver muitas lesões, chegando às vezes a centenas, que podem causar incapacidades graves. Quando as úlceras cicatrizam, deixam invariavelmente cicatrizes permanentes, o que pode levar à estigmatização, principalmente no caso de lesões faciais”, explica.

Um fator intrigante destas manifestações cutâneas, é que são frequentemente descritas pelos pacientes como indolores, apesar de seus aspectos agressivos e desfigurantes. Poucos estudos até o momento investigaram as características fisiopatológicas no contexto da analgesia das feridas cutâneas na LC.

“Nosso grupo de pesquisa tem estudado estes fenótipos nociceptivos em modelos experimentais de leishmaniose nos últimos anos; no entanto, as respostas observadas nos camundongos são diferentes (pois estes apresentam dor nas feridas cutâneas) dos humanos (que relatam ausência de
dor, predominantemente), o que denota a complexidade do estudo da LC”.

Sérgio Borghi, professor de pós-graduação da UEL.

Allan Bussmann explica que foram avaliados ​​pacientes com lesões ativas causadas por LC quanto à percepção dolorosa e aspectos anatomopatológicos das úlceras. Bussmann complementa que a dor foi avaliada por meio de uma escala numérica de pontuação da dor, visando comparar cinco pacientes com diagnóstico de LC com quatro pacientes controle com diagnóstico de úlceras cutâneas vasculares, que são descritas como dolorosas clinicamente.

Avaliações histopatológicas foram utilizadas para investigar a interface entre o neurônio responsável por detectar dor é o agente patógeno causador da doença.

Pacientes com úlceras decorrentes da LC relataram menos dor em comparação aos pacientes com úlceras vasculares. “A histopatologia evidenciou protozoários na forma amastigota, uma forma que se multiplica dentro das células e depois chega ao meio extracelular, próximas às fibras nervosas sensoriais na derme profunda, a parte mais profunda da pele. Foi detectado que as fibras nervosas das amostras de pacientes com LC estavam vivas, de acordo como marcador celular utilizado”, relata Bussmann.

Adicionalmente, foi detectada a ausência de atividade apoptótica nas terminações nervosas, uma das potenciais via de sinalização para morte celular. Além disso, amostras retiradas da borda ativa da lesão foram negativas para doenças concomitantes como a hanseníase, que também provoca lesões indolores”, relata Bussmann.

O professor Sergio Borghi ressalta: “Essas descobertas são muito intrigantes, pois sugerem que, apesar do neurônio responsável por detectar dor ter aparentemente atividade normal, não se percebe a dor durante a infecção, nos trazendo percepções de que o protozoário pode ter a capacidade de subverter as funções deste tipo celular do hospedeiro, para, por exemplo, ter condições de prosperar no processo de infecção, o que caracteriza algo extremamente interessante dentro de uma perspectiva de evolução do patógeno”, diz.

No entanto, o professor Sergio Borghi destaca que é importante mencionar que o estudo tem tamanho amostral pequeno, e foi publicado no formato de comunicação rápida (short communication, como descrito na língua Inglesa), e deve ser corroborado por estudos futuros maiores.

“O compromisso de um pesquisador não inclui apenas trabalhar em laboratório e publicar seus resultados para a comunidade acadêmica e/ou científica, mas também disseminar os resultados para a população em geral, para que sejam utilizados para a tomada de medidas em saúde pública e desenvolvimento de estudos adicionais que proporcionem avanços no entendimento da doença, assim como potenciais novas formas de intervenção para seu tratamento”, aponta Borghi.

“Os resultados, mais vez, demonstram a qualidade das pesquisas realizadas na UEL. Nos últimos anos, o nosso grupo, que inclui outros pesquisadores da UEL, como o professor Waldiceu A. Verri Júnior e o médico anatomopatologista Silvio Cesar Franco Giovanni Filho, publicou outros trabalhos inéditos, mostrando o vanguardismo do grupo e dos laboratórios envolvidos”, destaca Bussmann.

Bussmann concluí destacando que o grupo espera que a produção científica sirva para demonstrar para a população sob risco para a doença, que no momento que apresentarem feridas cutâneas, mesmo indolores, procurem imediatamente o serviço de saúde, pois apesar da aparente falta de gravidade (ausência de dor percebida), podem estar associadas a uma doença potencialmente fatal, caso não tratada adequadamente.

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