Pesquisa propõe modelo de classificação da paisagem urbana
Pesquisa propõe modelo de classificação da paisagem urbana
Estudo une duas diferentes áreas do conhecimento: a Arquitetura e a Computação.Em janeiro de 2013, uma banda musical de Niterói, chamada Tereza, lançou um videoclipe intitulado “Sandau”, em que os componentes do grupo aparecem em uma variada seleção de paisagens praianas, no Brasil, Havaí, Austrália, Taiwan e França, mas sem arredar o pé do estúdio. Tudo graças a uma montagem feita com imagens retiradas do Google Street View (GSV). Foram mais de 200 mil visualizações nas duas primeiras semanas. Este recurso foi lançado em maio de 2007 e permite aos usuários vistas panorâmicas (360º na horizontal e 290º na vertical) de dezenas de países e até da Antártida.
As imagens do Street View, como é popularmente conhecido, também já foram mote para inúmeros memes. Porém, existe ali uma quantidade de informações extremamente úteis para pesquisadores de diferentes áreas, como a Arquitetura. Pesquisadores como a doutoranda Ana Luiza Favarão Leão, do Programa de Pós-graduação em Arquitetura da UEL, orientada pela professora Milena Kanashiro (Departamento de Arquitetura e Urbanismo). Ana explica que, no curso, os alunos estudam os ambientes construídos das cidades e o impacto que causam nos habitantes. “Muitos pesquisadores atuam nisso, porque o trabalho é grande, porque as cidades são grandes”, conta. Num meio urbano, tudo pode impactar: disposição das ruas, calçamento, loteamentos, número de árvores, de recipientes para lixo, entre muitos outros que podem até parecer pouco significativos – como a cor de um edifício. Tais dados podem ser coletados pelo GSV, mas não estão sistematizados.
Neste ponto, quem pode contribuir muito é a Computação. Antes de mais nada, uma das grandes vantagens de usar o GSV é que os pesquisadores não precisam se deslocar pelos pontos que precisam coletar dados, o que representa economia de recursos. Mas há muito além: Hugo Queiroz Abonizio é mestrando do Programa de Pós-graduação em Ciência da Computação, do CCE, e é orientado pelo professor Sylvio Barbon Júnior (Departamento de Computação). Embora em sua dissertação, em fase de conclusão, esteja trabalhando com linguagem natural (textos), ele e o orientador atuam na pesquisa da Ana, desenvolvendo um modelo de deep learning para classificação dos elementos constitutivos da paisagem urbana em três bairros de Londrina: Centro Histórico, Cinco Conjuntos (Zona Norte) e Gleba Palhano (Zona Oeste).
Deep learning – O deep learning (aprendizado profundo) é um ramo avançado de aprendizado de máquina que utiliza algoritmos que possibilitem melhor interpretação dos dados coletados. Segundo o professor Sylvio, a aprendizagem da máquina (learning machine) é a primeira linha da Inteligência Artificial. “Nós explicamos à máquina como aprender. O que ela deve observar e correlacionar, aproximando-se de como um ser humano aprenderia”. O modelo demanda muitas imagens e exemplos, mas isso o GSV pode prover fartamente. O modelo é complexo mas funciona para qualquer coisa, desde que “se ensine” a identificar a coisa – seja um gato, um cachorro, um prédio, um terreno vazio, uma placa, uma árvore, um muro. Qualquer coisa.
Hugo explica que a classificação proposta já foi usada em outros contextos, mas é uma novidade neste modelo porque foca na diferenciação dos bairros. Ao detectar texturas, formas, cores e outros dados, o modelo fornece ao pesquisador o que ele precisa para proceder a classificação. Para o professor Sylvio, é importante lembrar ainda que a pesquisa atua num cenário não controlado – as imagens coletas foram feitas em diferentes condições de luminosidade, temperatura e qualidade técnica, e não foram feitas pelos pesquisadores.
O professor destaca a contribuição da Ciência da Computação em outras áreas como ferramenta que otimiza o trabalho de outros pesquisadores. “A Inteligência Artificial permite uma abstração mais prática e exata, traduz e automatiza o conhecimento”, afirma. No caso desta pesquisa, a grande quantidade de dados permite uma modelagem interpretativa mais “agressiva”, ou seja, muito mais eficiente.
A professora Milena Kanashiro tem a mesma perspectiva. Para ela, o projeto segue uma linha de automatização do conhecimento e representa um avanço na medida que abrange também a temporalidade dos espaços estudados. Para ela, este estudo possibilita uma melhor identificação de áreas homogêneas e delimitação de áreas (bairros, por exemplo). Outro ponto positivo destacado por ela é a união de Programas de diferentes Centros de Estudo (Arquitetura e Urbanismo, e Ciências Exatas), o que só promove a Universidade.
Publicação – O modelo foi testado e os resultados foram muito positivos, atribuindo corretamente quase 90% das amostras dos respectivos bairros estudados. Os quatro pesquisadores publicaram uma parte do estudo na Revista de Morfologia Urbana (junho/2020), em artigo intitulado “Identificação de composições de paisagem urbana: uma abordagem de deep learning” [http://revistademorfologiaurbana.org/index.php/rmu]. A revista é uma publicação científica da PNUM (Portuguese-Language Network of Urban Morphology), ou Rede Lusófona de Morfologia Urbana, que por sua vez integra o Seminário Internacional de Forma Urbana, que reúne pesquisadores e professores de todo o mundo desde 1994.
A amostragem constituiu em imagens coletadas de pontos a cada 100 metros nas vias públicas, num total de 2017 – 554 no Centro, 368 na Gleba Palhano e 1095 na Zona Norte. Foram observados elementos como a quantidade de carros, estacionamentos nas vias, intensidade de sinalização e vegetação. Tais elementos se referem, num outro nível, às chamadas “metaqualidades urbanas”, como a vitalidade e a caminhabilidade.
Ana Luiza destaca algumas diferenças entre as regiões. Na Zona Norte, por exemplo, ela diz poeticamente que “existe muito céu”, ou seja, a verticalização não dificulta a visão do horizonte, como acontece no Centro. Lá, além da verticalização mais expressiva, foi observada maior variedade de construções e a tendência de os estabelecimentos comerciais estarem “grudados” um no outro. Já a Gleba Palhano, conta Ana, desafiou o modelo. Bairro mais novo e em desenvolvimento, ele apresenta elementos ora de Centro, ora de bairro.
Os autores veem os resultados como encorajadores e afirmam no estudo que “em um âmbito teórico avança-se cientificamente na utilização de técnicas computacionais para o entendimento objetivo de qualidades urbanas, que podem influenciar o comportamento humano, bem como elementos sociais e econômicos”.
(Ilustrações fornecidas pelos pesquisadores).