Projeto desenvolvido no HU é lição de sustentabilidade e cidadania

Projeto desenvolvido no HU é lição de sustentabilidade e cidadania

Projeto premiado reaproveita embalagens cirúrgicas para fabricação de produtos com sustentabilidade e ainda promove a ressocialização de apenados.

Implementar uma estratégia para dar um destino ambientalmente seguro a resíduos hospitalares também é uma medida que depende de uma característica humana fundamental na rotina de uma instituição pública que presta o atendimento de alta complexidade: a sensibilidade dos profissionais envolvidos com o objetivo da mudança de comportamento exigida.

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Edição número 1417 de
3 de março de 2023
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No caso do Hospital Universitário de Londrina, um projeto vem resultando na produção de bolsas para pacientes do Centro Cirúrgico por pessoas privadas de liberdade. Ao promover a ação de sustentabilidade, o projeto “Muda” foi premiado como “Melhor Prática Assistencial” no Congresso Brasileiro de Enfermagem, ano passado, e vem chamando a atenção até de gestores de outros hospitais de Londrina.

“Outras instituições já procuraram para replicar o projeto e o nosso desejo é que ele entre em uma terceira etapa. Então, queremos fazer com que se torne autossustentável”, conta a docente do Departamento de Enfermagem da UEL, Danielly Negrão Guassu Nogueira, coordenadora do projeto de extensão. 

Embora a ideia tenha nascido no primeiro ano da pandemia da Covid-19, seu interesse pelos temas que envolvem resíduos hospitalares é muito mais antigo, quando cursou o Mestrado na Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais, há mais de 15 anos. 

Centro Cirúrgico realiza mil cirurgias/mês. HU destinava cerca de 20 mil mantas ao aterro sanitário, que se transformam em sacolas

Ela conta que as mantas hospitalares utilizadas na acomodação dos instrumentos cirúrgicos são do tipo SMS (Spunbond/Meltblown/Spunbond), introduzidas no mercado há cerca de 20 anos. À época, aspectos como o seu impacto ambiental possuíam menor apelo público e acabaram não sendo considerados, já que o material é de uso único e demora muitos anos para se decompor.  

As mantas de SMS são produzidas a partir do Polipropileno (PP) e possuem três camadas, impedindo a contaminação dos materiais. Por conta destas características, “é muito difícil de desfibrar, é um processo difícil de reciclagem, muito caro, pois precisaria retornar ao estado sólido, de um polímero industrial. Então, não é considerado um material plástico, tecido ou papel, e não atraiu o interesse da indústria. Em todos os hospitais esse material vai parar no lixo hospitalar como se estivesse contaminado, mas não está contaminado”, explica a docente. 

Ela também informa que este material acaba colaborando para a degradação do meio ambiente, uma vez que é capaz de produzir um “vácuo” quando colocado em contato com outros produtos químicos, seja em containers de lixo ou nos aterros sanitários. Com isso, colabora para aumentar o volume do lixo e, consequentemente, os custos com transporte.

Para se ter uma ideia, cada cirurgia demanda uma média de 18 mantas, que possuem de dois a três metros quadrados de área cada. Realizando uma média de mil cirurgias por mês, somente o HU de Londrina destinava entre 18 e 20 mil mantas ao aterro sanitário, no distrito de Maravilha. 

MUDA 

Para desenvolver o produto, a professora Danielly Negrão contou com a orientação de docentes e alunos que integram o Núcleo Interdisciplinar de Estudos em Resíduos (NINTER).  Reunindo a expertise das áreas de Design de Moda, Administração e Enfermagem, o grupo teve a ideia de desenvolver as chamadas ecobags para a acomodação dos pertences dos pacientes internados no centro cirúrgico do HU. Participaram deste projeto as bolsistas Fernanda Oliveira Massi e Julia Pinheiro, que atuaram sob a coordenação da professora Suzana Barreto Martins, do Departamento de Design.

“Em seguida, fizemos um treinamento prático com 95 funcionários da Enfermagem e criamos oito etapas de separação, no que chamamos de ‘captura segura’. Basicamente, é não misturar com lixo hospitalar e colocar o que está limpo em um caixa plástica. Em outro momento, estas mantas são levadas para um container”, explica a docente Danielly Negrão.

Ao menos uma vez por semana, as mantas passam por um processo de separação e controle de qualidade, feito pelos alunos bolsistas do projeto de extensão. Em seguida, todo o material é levado pela docente a uma empresa voluntária – a Gntex – que fica responsável pelo corte. A etapa final deste processo de destinação também é uma responsabilidade da docente, que leva o material à Penitenciária Estadual de Londrina (PEL II).

A ideia de agregar a mão de obra de apenados do sistema prisional surgiu na esteira do trabalho que já vinha sendo realizado de produção de máscaras e outros equipamentos de proteção, em falta no mercado por conta da alta demanda provocada pela Covid-19. 

Inicialmente, lembra, eram oito internos participantes da Oficina de Costura da PEL II atuando neste e em outros projetos de ressocialização. O número cresceu para 32, e a diretoria da unidade, a maior do interior do Paraná, colabora com o envio das ecobags confeccionadas de volta ao Hospital Universitário. 

MIMO 

Atualmente, a capacidade de produção chega a 4.000 ecobags por mês, que pode ser dobrada a partir do crescimento no volume de mantas captadas pelo projeto. “Hoje, só os casos cirúrgicos recebem pois devemos seguir uma lógica de ter o retorno para quem gerou o resíduo. Quem gerou? O centro cirúrgico. Então, o retorno precisa ser para eles. A segunda fase é ampliar para todos os pacientes e sentimos muito orgulho porque já está dentro das metas institucionais do hospital como uma medida com foco na sustentabilidade”, alegra-se, lembrando, também, da gratidão de alguns pacientes ao receberem o presente. 

“Alguns pacientes são muito humildes e dizem que preferem guardar a bolsa para dar de presente. Quando é assim, autorizamos nossos enfermeiros a darem duas, três de presente porque ficamos também muito emocionados. Fica como um mimo.

PRÊMIO 

Um dos principais resultados do projeto foi atestado pela diretoria do HU, responsável pela análise de inúmeros contratos, dentre eles o firmado com a empresa responsável pela coleta de lixo. “O hospital gasta entre R$ 15 e R$ 19 por quilo de lixo enviado ao aterro. E uma coisa que percebemos foi a fala dos funcionários da limpeza. Eles comentam que o volume de sacos de lixo que precisam amarrar por dia diminuiu”, comemora Danielly Negrão. 

O Projeto de Extensão “Muda: reaproveitamento de embalagens cirúrgicas para fabricação de produtos manufaturados com sustentabilidade e ressocialização para apenados” recebeu o prêmio de “Melhor Prática Assistencial” na categoria “Centro Cirúrgico, Recuperação Anestésica e Centro de Material e Esterilização no Congresso Brasileiro de Enfermagem.

Entretanto, o maior prêmio, avalia a professora, que é ex-aluna de graduação da UEL, vem sendo perceber os benefícios ao meio ambiente, além do envolvimento da equipe e o retorno em forma de afeto por parte dos pacientes.

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