Estudo investiga caminhos para combater defasagens na leitura de crianças
Estudo investiga caminhos para combater defasagens na leitura de crianças
Pesquisa revela que intervenções aplicadas por professores em sala de aula podem melhorar significativamente a leitura de criançasUma pesquisa conduzida pela professora Patrícia Silva Lúcio, do Departamento de Psicologia e Psicanálise, tem revelado novos caminhos para o enfrentamento das dificuldades de leitura em crianças da rede pública. O projeto “Mutirão da Alfabetização: revertendo danos da pandemia nas habilidades básicas de leitura de crianças cursando os anos iniciais em escolas municipais da cidade de Londrina”, é oriundo de um projeto anterior de Patrícia, que começou em 2018 com uma colaboração internacional entre Brasil e Chile. No primeiro projeto, foram testadas estratégias de compreensão leitora em crianças de 8 a 9 anos.
A fase brasileira teve início em 2019, com a participação de nove escolas públicas de Londrina. As crianças foram divididas em três grupos: um realizava as atividades de leitura e compreensão sozinhas; outro recebia auxílio no planejamento da leitura, feita por psicólogas; e o terceiro grupo lia coletivamente em voz alta. Os dados revelaram um resultado curioso: enquanto no Chile as crianças se saíram melhor na leitura conjunta, no Brasil o grupo que apenas planejava com apoio e lia sozinho teve melhor desempenho.
Segundo Patrícia, a diferença pode estar relacionada ao manejo de sala e à própria língua. De acordo com a professora, a leitura coletiva conduzida por psicólogas gerou confusão em turmas com níveis muito heterogêneos, o que impactou nos resultados. Além disso, Patrícia explica que a diferença de idiomas pode ser outro fator, uma vez que o espanhol possui estruturas mais regulares que a língua portuguesa. “Tínhamos desde crianças que liam muito bem, há crianças que liam muito mal aqui no Brasil. E a gente acha que isso confundiu as crianças, essa leitura coletiva, sem ser pela professora, sem ter aquele manejo que elas já conhecem, pode ter tido esse impacto na situação de leitura oral conjunta”, explica.
As intervenções
A partir desses resultados surgiu o projeto “Mutirão da Alfabetização”, apoiado pela Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Paraná (SETI). A proposta foi testar um programa de intervenção em sala de aula baseado em um modelo norte-americano adaptado para o contexto local. A intervenção consistia em dez sessões de 50 minutos focadas em leitura de palavras reais, pseudopalavras e consciência fonológica.

O programa aplicado em treze escolas públicas da cidade mostrou que os resultados mais expressivos vieram dos alunos do quinto ano, justamente aqueles que passaram pela alfabetização durante a pandemia. “A ideia de estender o programa às crianças do quinto ano veio da nossa experiência. Elas crianças estavam chegando aqui na Clínica Psicológica sem saber ler. Isso foi logo após a pandemia, e foi uma coisa que me chamou muito a atenção, porque eu sempre trabalhei com avaliação psicoeducacional. E criança de quinto ano sempre chegava lendo mal, mas chegava lendo”, conta.
Contudo, os resultados mostraram que as crianças daquela série com dificuldade de aprendizagem apresentaram avanços significativos após a intervenção em pequenos grupos. Já entre alunos mais novos, os efeitos foram menos evidentes em termos estatísticos, mas os dados qualitativos mostram evolução: muitas crianças que não liam nada passaram a decodificar palavras após o programa. “Temos que descobrir se essa observação difere entre as crianças que passaram ou não pela intervenção”, Patrícia argumenta.
Apesar disso, a professora expõe que os dados foram analisados a partir da evolução do grupo, e não do desenvolvimento individual de cada criança. Para isso, será criado um projeto de Iniciação Científica, no qual esses dados individuais poderão ser coletados.
O papel do professor e os próximos passos
Uma descoberta importante da pesquisa foi que as intervenções aplicadas pelas próprias professoras mostraram resultados superiores às conduzidas por psicólogas. Isso levanta uma discussão sobre o papel do docente na promoção da leitura e sugere que investir na formação e capacitação das professoras pode ser mais eficiente do que trazer profissionais externos para esse tipo de atividade.
“A gente pensou em como transformar isso numa política pública, um programa que pudesse ser disponibilizado para o governo. A gente poderia treinar psicólogos do SUS para poder fazer essa aplicação. Mas tudo indica que a professora é mesmo a figura mais indicada”, afirma Patrícia.

Para viabilizar isso, foram criados materiais didáticos próprios, com textos inéditos — elaborados para evitar problemas com direitos autorais — e ilustrações geradas por inteligência artificial. A ideia é oferecer um material pronto para aplicação em sala, com o mínimo de instruções, e que possa ser utilizado por professoras em diferentes contextos.
Contudo, os próximos passos dependem de parcerias com o poder público e financiamento para a finalização do material didático. Mas o projeto já demonstra que, com o planejamento desenvolvido, é possível pensar em soluções reais para um dos maiores desafios da educação brasileira.
*Estagiária de Jornalismo da Coordenadoria de Comunicação Social.