Pesquisa propõe carvão magnetizado para tratamento de água e reaproveitamento de resíduos
Pesquisa propõe carvão magnetizado para tratamento de água e reaproveitamento de resíduos
Benefícios das tecnologias empregadas no estudo vão desde despoluição e redução de custos em estações de tratamento até ao aumento da produção de gás para uso energéticoProblema 1: o detergente usado na cozinha, o xampu utilizado nos cabelos, a pasta de dente, os cosméticos, as substâncias químicas dos remédios e hormônios consumidos e secretados pelo corpo ou os resíduos de higiene pessoal, todos esses dejetos, chamados de contaminantes emergentes, acabam sendo despejados no meio ambiente, com destaque preocupante para os mananciais vinculados aos sistemas de tratamento de água para consumo da população. Problema 2: Estudos apontam que 14% dos alimentos produzidos no mundo são perdidos e o tratamento adequado desses resíduos orgânicos visando à produção de energia ainda não é amplamente adotado por empresas e instituições públicas. Esses dois problemas têm solução, que passa por técnicas que buscam a melhoria do meio ambiente e priorizam a sustentabilidade com ajuda do magnetismo. Isso é o que propõe o projeto “Uso Sustentável de Materiais Magnetizados no Tratamento de Águas e na Biodigestão Anaeróbia de Resíduos Orgânicos”, estudo dividido em duas etapas, coordenado pela professora do Departamento de Construção Civil da UEL, Emília Kiyomi Kuroda.
Por conta dos efeitos nocivos comprovados, os contaminantes emergentes vêm ganhando a atenção das autoridades e da comunidade científica. Invisíveis, pois sua ação no organismo humano às vezes só é percebida a longo prazo, são capazes de causar doenças com alto grau de letalidade, como as cancerígenas. E esse perigo pode estar perto. O agravante é que os efeitos desses poluentes estão na água consumida pela população.
Essa invisibilidade se dá pelo fato dos contaminantes emergentes não serem visíveis a olho nu, não apresentarem cor e nem odor. São encontrados dissolvidos nos reservatórios e mananciais e suas dimensões ficam na casa das nanopartículas. Por esta razão as Estações de Tratamento de Água (ETAs), que utilizam o tratamento convencional por ciclo completo (que envolve coagulação química, floculação, sedimentação e filtração) não são capazes de reter essas moléculas. O problema também ocorre nas Estações de Tratamento de Esgoto domésticos e industriais, também não eficientes para remoção dessas partículas, contribuindo ainda mais para um quadro crítico de contaminação.

É aí que reside a importância do subprojeto 1: “Aplicação de Adsorvedor Magnetizado para Remoção de Contaminantes Emergentes no Tratamento de Águas para Abastecimento Visando sua Reutilização”. O estudo é uma continuidade de trabalhos anteriores com a participação da professora Emília Kuroda e de parceiros como a Sanepar. O subprojeto 1 desenvolve um modelo inovador de tratamento complementar de águas ambientalmente sustentável e que utiliza o magnetismo.
O modelo usa a adsorção de carvão ativado pulverizado, que é um composto de carbono que foi produzido a altas temperaturas em ambiente controlado, sem oxigênio, para que fossem produzidos com poros microscópicos em sua superfície. É nesses poros que as partículas (contaminantes emergentes) são adsorvidas e se acomodam, ficando retidas. Diversos trabalhos científicos relatam que os percentuais médios de remoção dos contaminantes pela técnica de ciclo completo – o método convencional utilizado pelas ETAs – variam entre 1 e 20%. Já a técnica da adsorção em carvão ativado pulverizado possui eficiência entre 90 e 100%.
A adsorção em carvão ativado não é uma técnica nova. É inclusive empregada em várias ETAs. No entanto, devido ao seu elevado custo, seu uso se restringe a situações emergenciais para controlar a qualidade da água produzida. O que há de peculiar no subprojeto 1 é o adsorvedor magnetizado, que nada mais é que o incremento do magnetismo ao carvão possibilitando assim a sua recuperação (após uso) e posterior reutilização, baixando os custos do tratamento. “A grande diferença deste projeto, refere-se às condições experimentais da pesquisa, uma vez que desde o projeto inicial, com a participação ativa do corpo técnico e apoio da Sanepar, prioriza a obtenção de parâmetros de projeto visando o escalonamento e a aplicação dos resultados experimentais em escala real”, ilustra Emília Kuroda.

A separação do carvão após uso é importante porque torna o carvão recuperável e reutilizável. Após ser inserido na água contaminada e adsorver os contaminantes emergentes, o adsorvedor magnetizado é recuperado por um filtro separador magnético. Isso é possível porque o carvão ativado foi previamente imantado com nanopartículas de ferro. No subprojeto 1, essa magnetização do carvão é feita por uma outra parceira do estudo, a Golden Technology LTDA. A recuperação do adsorvedor é feita em um protótipo de filtração magnética fabricado por uma outra parceira do estudo, a empresa Imãtec. “No contato com imã, o carvão magnetizado é separado da água. Aí a água fica sem os contaminantes emergentes e o carvão fica aprisionado no ímã. Depois retiro esse carvão do imã, dessorvo para retirar os contaminantes, para ser reutilizado”, explica a professora.
Para o desenvolvimento do subprojeto 1, foram estabelecidas algumas metas, como a seleção de um adsorvedor magnetizado em função de sua capacidade adsortiva e dessortiva para os contaminantes emergentes, mas já está praticamente definido que se pretende utilizar o pinus, um tipo de madeira. Também serão feitos experimentos de tratabilidade da água simulando o tratamento por ciclo completo com e sem o uso do adsorvedor magnetizado. Além disso, serão realizados experimentos de recuperação do adsorvedor magnetizado e de dessorção (desprendimento) dos contaminantes emergentes visando a reutilização do adsorvedor. Por fim, será feita a avaliação da viabilidade financeira da aplicação do modelo de tratamento complementar para diferentes cenários e portes de ETAs.
A importância do subprojeto 1 tem uma dimensão tecnológica, na medida que se trata de um modelo inovador de tratamento complementar de águas a um custo ambiental e financeiro muito reduzido em função da viabilização da recuperação e da regeneração do adsorvedor magnetizado. É importante também na área social, já que é destinado ao tratamento complementar de águas capaz de garantir a produção e acesso à água com qualidade segura para consumo humano, conforme pontifica Emília Kuroda: “Acho que a importância é contribuir para a melhoria contínua da saúde e do bem-estar da população como um todo, além de incentivar as empresas a investirem nessa tecnologia”.

Produção de energia e benefícios para o meio ambiente
A outra parte do projeto, o subprojeto 2, também utilizará o carvão ativado magnetizado, mas para a resolução de outro problema: promover a destinação adequada dos resíduos sólidos orgânicos e contribuir para a produção de energia. Trata-se do estudo “Aplicação de Material Aditivo Magnetizado na Codigestão Anaeróbia de Resíduos Orgânicos Visando o Aumento da Produção de Metano”.
O objetivo principal do subprojeto 2 é desenvolver um modelo ambientalmente sustentável, viável técnica e financeiramente de codigestão anaeróbia visando o aumento da produção de metano utilizando resíduos de frutas e vegetais e de galinha de postura (destinadas à produção de ovos) com uso de material aditivo magnetizado (MAM). Outro objetivo é incentivar as empresas a investirem no setor de biogás, seja para produção de energia elétrica ou uso como biocombustível a partir do metano, promovendo o reaproveitamento dos resíduos sólidos orgânicos produzidos pelas próprias empresas, favorecendo assim o incremento da economia circular. ”A ideia é usar os resíduos urbanos das indústrias de laticínio, de beneficiamento de grãos, dos Ceasas [centrais de abastecimento], dos abatedouros, esses tipos de resíduos que toda cidade tem”, comenta Emília Kuroda.
O foco do subprojeto 2 é a otimização da produção de metano e aí é que entra a ação do MAM. Assim como ocorre com o subprojeto 1, o carvão magnetizado será o elemento principal para a deflagração do processo, mas não na forma de carvão ativado pulverizado para adsorção, mas sim como biochar. Também conhecido como biocarvão, o biochar é produzido por um processo de pirólise, no qual o carvão é submetido a um reator com altas temperaturas. Na presença dos substratos orgânicos (no caso do subprojeto 2, resíduos de frutas e vegetais), o MAM potencializa a ocorrência de interações microbianas e a transferência de elétrons, além de servir como meio suporte para aderência de microrganismos. Uma maior interação entre as bactérias faz com que a produção de metano aumente também.

Segundo a coordenadora do projeto, a aderência das bactérias ao biochar promove o aumento da atividade microbiana através de uma maior adaptação das bactérias ao ambiente de biodigestão. “Quando recuperamos o biochar e o colocamos de volta ao contato com os substratos, ele já volta inoculado com os microrganismos adaptados ao meio”, explica Emília Kuroda. A matéria-prima para a produção do MAM será constituída de restos de podas de árvores presentes no campus da UEL e o MAM será produzido no Laboratório de Tratamento de Águas e Resíduos (LabTAR).
Outra medida para potencializar a interação das bactérias com o substrato é o uso de fezes das galinhas de postura na combinação com os resíduos de frutas e vegetais. Isso porque esses resíduos possuem uma alta biodegradabilidade, o que pode causar o acúmulo de ácidos graxos voláteis, causando a inibição da atividade dos microrganismos. A adição das fezes da galinha pode auxiliar no processo neutralizando a acidificação.
Assim como o subprojeto do tratamento das águas, neste da biodigestão anaeróbia um dos intuitos é estimular as empresas a aderirem a essas tecnologias inovadoras, pois traria benefícios para o meio ambiente. “O legal da biodigestão é que você ajuda o meio ambiente. Você está utilizando o resíduo que iria para o aterro sanitário, gerando lixiviado que poderia contaminar as águas do entorno bem como o lençol freático, e, além disso, ainda pode produzir energia”, afirma a Emília Kuroda.

Além das parcerias já referidas, os dois subprojetos contarão com a colaboração do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP) e da Escola de Engenharia de Lorena-USP. O projeto, que está em seu início e terá bolsistas de iniciação científica, de mestrado e de doutorado, foi contemplado com o “Programa de Bolsas de Produtividade em Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico”, promovido pela Fundação Araucária.
Emília Kiyomi Kuroda possui Doutorado em Hidráulica e Saneamento pela Escola de Engenharia de São Carlos-USP. Coordenou e participou de vários projetos de pesquisa nas linhas de tratamento de águas, águas residuárias, incluindo esgoto e lixiviado de aterro sanitário e resíduos sólidos, juntamente com professor Fernando Fernandes, hoje aposentado, mas que também integrou o Departamento de Construção Civil da UEL e incentivou Emília a se dedicar à pesquisa sobre os resíduos sólidos.