Estudo correlaciona fatores de risco e acidentes com serpentes no Paraná

Estudo correlaciona fatores de risco e acidentes com serpentes no Paraná

Problema de saúde é negligenciado no Brasil. No Paraná, cidades campeãs em acidentes com cobras são Morretes, Prudentópolis e Londrina.

Pesquisa em fase de conclusão junto ao Programa de Pós-graduação em Ciência Animal (CCA) traz à luz um problema de saúde negligenciado em todo o país: acidentes por picadas de serpentes. Dados oficiais do Ministério da Saúde (MS) coletados entre 2007 e 2021 apontaram 12.877 notificações somente no Paraná, o que corresponde a cerca de 1000 acidentes com serpentes anualmente, 83 por mês e três por dia, trazendo consequências como mortes, amputações de membros e outros impactos sociais e econômicos. 

Os dados fazem parte da dissertação de mestrado da médica veterinária Isabelli Sayuri Kono, orientanda da professora Roberta Freire, do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva da UEL. O estudo é importante porque praticamente não existem investigações sobre os chamados acidentes ofídicos no Brasil. Em todo o país existem cadastradas 440 espécies de serpentes, 114 no Paraná. Deste total, três gêneros são considerados perigosos.

O estudo, financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), ganha relevância também por correlacionar variáveis ambientais e econômicas com os acidentes. Pela primeira vez um estudo científico comprovou que a falta de coleta de lixo e que a destinação inadequada do esgoto domiciliar, bem como o trabalho rural braçal sem equipamentos de proteção, estão entre fatores associados à maior incidência de picadas de cobras. Nesta mesma lista entram moradias feitas em madeira. Antes do estudo feito pela mestranda, as estatísticas demonstravam apenas dados como sexo, idade e as cidades onde os problemas são mais recorrentes.

Mestranda Isabelli Kono. Acidentes com serpentes são negligenciados em todo o Brasil. Subnotificação acende alerta até da OMS, segundo a pesquisadora (Arquivo)

Segundo Isabelli, o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde, comprova que os acidentes com animais peçonhentos correspondem à segunda causa de intoxicação no Brasil, perdendo somente para os problemas decorrentes com medicamentos. Os dados da pesquisa reforçam que é necessário maior atenção para o problema, incluindo a descentralização do atendimento, a partir do treinamento de equipes de saúde e a disponibilização do soro antiofídico nas unidades básicas. O objetivo é propiciar condições para um atendimento rápido e efetivo. 

Cobras paranaenses

No Paraná, as cobras consideradas mais perigosas são a Jararaca, Cascavel e a Coral. As cidades paranaenses campeãs em acidentes são Morretes (com 277 notificações), Prudentópolis (com 261 casos constatados entre 2007 e 2021) e Londrina (234). O estudo demonstrou que houve uma redução da ordem de 60% no total das notificações nestes últimos anos em virtude do desmatamento registrado no Paraná. Segundo Isabelli, no período em que foi feito o levantamento, o estado teve mais de 47% de presença no Sistema de Alerta do Desmatamento, ferramenta que monitora a conservação das áreas de proteção, entre elas a Mata Atlântica.

Mapa do estado do Paraná, subdividido em regiões. Incidência de ataques de cobras é maior nas regiões de Guarapuava, Curitiba e Cascavel (Arquivo)

“Onde existe floresta, existe cobra. Restringindo o abrigo, haverá menos serpentes. Por um lado é aparentemente um dado positivo, mas considerando a conservação ambiental, temos um problema para refletir”, relata a pesquisadora. Ela alerta também que os acidentes ocorrem a partir do momento em que há invasão dos habitats desses animais. 

Causas

O levantamento feito pela pesquisadora revelou algumas causas frequentes dos acidentes ofídicos. De acordo com o estudo, a população rural está entre as mais atingidas. No Paraná, as regiões que mais aparecem com acidentes frequentes são o Centro-Sul e o Sudeste. Ela afirma ainda alto índice de problemas com trabalhadores braçais que não utilizam equipamentos de proteção (EPI) e agricultores familiares que trabalham com hortaliças e fruticultura. Ela afirma que, nestes casos, seria fundamental a existência de medidas preventivas. Uma sugestão é a disseminação da ocorrência dos acidentes por meio de estruturas existentes no meio rural como escolas e cooperativas.

Outra revelação são os acidentes em áreas onde existem plantio comercial de pinus, araucária e eucaliptos, que são as madeiras comerciais utilizadas no agronegócio. A pesquisadora faz a ressalva, que, embora as ocorrências sejam comuns, nestas áreas de exploração de madeira existem menos presas e portanto um número menor de cobras do que nos habitats que são as florestas nativas. 

Por último, os fatores ambientais também têm correlação com os acidentes. Locais com coleta de lixo e tratamento de esgoto precários têm maior prevalência de acidentes com serpentes porque atraem roedores, presas naturais dos animais. Ainda segundo a pesquisadora, por ser um problema de saúde subnotificado, as pesquisas relacionadas ao tema têm ganhado incentivo por parte da Organização Mundial de Saúde (OMS), que preconiza a redução do problema até 2030.

“É um problema de saúde negligenciado no Brasil, um país tropical, que tem grande riqueza de florestas e consequentemente de espécies de serpentes”, define a pesquisadora. As análises têm previsão de continuidade nos próximos anos, a partir da pesquisa que será realizada paralelamente ao doutorado de Isabelli no mesmo programa, de Ciência Animal. Dessa vez ela pretende incluir os acidentes causados por picadas de escorpiões. 

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