Projeto de pesquisa analisa mudanças nos shopping centers ao longo do tempo
Projeto de pesquisa analisa mudanças nos shopping centers ao longo do tempo
Estudo identificou que as transformações ocorridas vieram fortalecer a experiência do consumidorDiversão, comodidade, alimentação, lazer, conversa, música, cultura, ginástica, descanso, aprendizado, escapismo, serviços, rolezinhos e muito mais, mas principalmente… satisfação. Assim mesmo: tudo junto, e misturado, e ao mesmo tempo agora. É o cardápio eclético oferecido hoje em dia quando se vai a um shopping center. Mas nem sempre foi assim. Captar e estudar as mudanças ocorridas em espaços comerciais ao longo do tempo foi o cerne do estudo “Espaços Comerciais Emergentes: Tipologias, Funções, Mix Diferenciado, Características de Projeto e Planejamento”, projeto de pesquisa coordenado pela professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UEL, Maria Luiza Fava Grassioto.
Quando os shopping centers surgiram, especialmente nos EUA, a praça de alimentação não estava localizada em seu centro, disposição que promove a circulação e a interação entre os frequentadores. No Brasil, esses estabelecimentos comerciais seguiram o modelo europeu, que sempre privilegiou a posição central da praça de alimentação, favorecendo o contato, o relacionamento entre as pessoas, como explica a professora Maria Luiza: “No modelo europeu, a praça é que é o shopping. As pessoas, os lazeres, estão em volta, os pintores estão pintando no meio da praça, os livros sendo vendidos. O que aconteceu? O shopping europeu incorporou a praça e fechou a cobertura. No shopping americano não tem nada para se relacionar, é uma tira [sem circuito], não tem um espaço onde alguém toca um piano, você não pode conversar. Já nós, brasileiros, somos sociáveis”.
Entretanto, mesmo entre os shopping centers brasileiros, no início, antes do modelo europeu ser amplamente adotado, a centralidade da praça de alimentação não era valorizada. Maria Luiza cita o Shopping Iguatemi, o primeiro do país, inaugurado em 1966: “O projeto interno dele era em forma da letra ‘H’, não tinha circulação, não tinha praça de alimentação. Depois eles derrubaram o H e fizeram o circuito”, afirma. A função da praça de alimentação no centro de um projeto arquitetônico de um shopping é exatamente a da integração, pois, se ela não estiver nessa posição central, a movimentação, as trocas, as interações, sejam sociais ou comerciais, ficam estanques.
Além do aspecto espacial, arquitetônico, havia outras diferenças em relação aos shopping centers atuais, chamados de emergentes. Os antigos eram focados apenas no consumo puro e simples da mercadoria, sem considerar a dimensão cultural, sem dar importância a algo fundamental dos novos tempos: a experiência do consumidor.
A introdução de outras possibilidades de uso do espaço dos shopping centers, que não apenas para a aquisição de mercadorias, como salas de cinema ou academias de ginástica, trouxe uma nova expectativa de que o espaço deveria oferecer também sensações de bem-estar, de satisfação. Segundo a professora Maria Luiza, a adoção dessa multifuncionalidade (característica dos espaços comerciais emergentes) na configuração dos shopping centers, introjetando neles, para além do puro ato da compra, a alimentação, o lazer e o entretenimento, mudou o comportamento do consumidor. “Ele se alterou completamente com todas essas coisas. O importante hoje não é mais o comprar. É o passeio, o entretenimento, tudo junto num só lugar”, explica a pesquisadora.
Um ponto fundamental para que a experiência do consumidor seja bem realizada é o atendimento. Para a coordenadora do projeto, a loja pode ser divertida, esteticamente agradável, com uma aparência maravilhosa, pode oferecer conhecimento (como numa loja de produtos de tecnologia), escapismo, um lugar para fugir das preocupações, mas, se não tiver um bom atendimento, de nada adiantará: “O novo consumidor quer se sentir bem dentro dos lugares. Ele compra pelos seus sonhos, pela sua vida. A loja tem que oferecer o estilo de vida dele. Eu ensino aos meus alunos que eles precisam fazer uma loja com espaço de permanência, serviço de cafezinho, área instagramável, todas essas coisas da experiência”, avalia a professora.
Strip malls: pequenos, mas práticos e essenciais
Outra mudança captada pelo estudo foi o surgimento do strip mall, chamado também de shopping de bairro ou de vizinhança. Ao contrário da tendência multifuncional dos grandes shopping centers, com espaço para eventos culturais e restaurantes, os strip malls se focam em oferecer atividades essenciais, relacionadas à praticidade, ao dia a dia. Não foi à toa que o boom da construção desse tipo de empreendimento ocorreu durante a pandemia, como comenta a professora Maria Luiza: “Na pandemia, os empresários compraram os terrenos para fazer esses espaços para atividades essenciais, que era o que você podia abrir naquele momento. Então você tinha ‘uma’ farmácia, ‘um’ mercadinho, ‘uma’ loja de presentes, ‘uma’ agência bancária, ‘uma’ padaria, um, um, um”. Depreende-se, portanto, que os strip malls são um lugar associado à conveniência – que oferece produtos e serviços essenciais –, e não um lugar para permanecer durante longos períodos de tempo, como ocorre com os grandes shopping centers.
Além da diferença funcional, há outras, como a arquitetônica. Ao contrário dos grandes shopping centers, os strip malls são normalmente locais abertos, possuem poucas lojas, mais ou menos de sete a 13 e formatos diferenciados para abrigar os estacionamentos, como em “L”, “Z” ou “V”, onde o carro fica no meio da edificação e em frente a uma fila de lojas. Esse formato promove um acesso rápido aos estabelecimentos, característica em sintonia com a proposta desse tipo de espaço comercial emergente: um lugar para atividades rápidas. Os strip malls são uma espécie de modelo híbrido entre loja de rua e shopping.
Outro ponto detectado no estudo foi a alteração que os espaços comerciais emergentes fazem no entorno das suas edificações. Em Londrina, por exemplo, a implantação do Boulevard Shopping promoveu mudanças significativas no seu entorno. “Quando surgiu o Boulevard, lá era tudo vazio, tudo casa de madeira. Ele abriu uma avenida atrás, modificou o entorno. Estudamos em Frankfurt (Alemanha) como o shopping revitalizou as áreas centrais”, lembra Maria Luiza. A própria construção do viaduto da Avenida Dez de Dezembro visou à melhoria do fluxo do trânsito em decorrência da presença do shopping ali. Já nas imediações dos strip malls, ocorre um desenvolvimento da mobilidade urbana, pois, sendo próximos às residências dos consumidores, há o desafogamento do trânsito de outras áreas. “Hoje você vai na Adhemar de Barros, e não vê carros estacionados na rua, porque eles estão dentro dos strip. Tem gente que vai visitar alguém nos residenciais ali perto e para dentro do strip”, exemplifica Maria Luiza.
Ainda segundo a professora, o grande número de strip malls surgidos ao longo dos anos promoveu até alterações nas leis de zoneamento de algumas cidades: o número de zonas estritamente residenciais foi reduzido para a implantação de zonas residenciais que permitissem a fixação desse tipo de empreendimento nos bairros, atendendo à demanda do novo tipo de consumidor, mais prático e objetivo, sem tempo a perder.
Outras tipologias
Outras tipologias de espaços comerciais emergentes também foram abordadas na pesquisa, tais como: shopping centers em resorts, que têm por finalidade o turismo em praias ou competições esportivas; os de galerias comerciais em complexos corporativos; aqueles em condomínios residenciais; e os shopping centers orientados a nós de transporte (metrô, trens e ônibus). “Estudei o metrô caindo dentro do shopping para as Olimpíadas de Londres. Foi feita uma estação de metrô, e as pessoas tinham que passar por dentro do shopping para ter acesso às áreas das competições”, comenta Maria Luiza.
Iniciado em 2020, o projeto “Espaços Comerciais Emergentes: Tipologias, Funções, Mix Diferenciado, Características de Projeto e Planejamento” será finalizado no início de fevereiro e rendeu alguns artigos ao longo de sua execução, tais como “O papel do Boulevard Londrina Shopping na revitalização da região Leste da cidade”. A pesquisa contou com a participação de bolsistas, e, para suas análises, foi utilizado o método da Percepção Ambiental de Lucrecia D’Alessio Ferrara (USP), com registros através da fotografia.
A coordenadora da pesquisa, Maria Luiza Fava Grassioto, estuda o tema dos shopping centers há 25 anos. Em 2023, seus estudos foram apresentados no Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação (NAPI) Paraná Faz Ciência (PrFC), com uma exposição de fotos registradas em shopping centers do Brasil e de cidades europeias, nas quais estudou 17 shopping centers. Atualmente, Maria Luiza ministra aulas de Design de Interiores Comerciais no Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UEL.