Projeto usa substância antimicrobiana para conservação de carnes

Projeto usa substância antimicrobiana para conservação de carnes

Soforolipídios serão testados também em cremes contra a herpes simples e em produtos cosméticos como antiacnes e desodorantes

Imagine um jogador de futebol que, além de poder jogar com os pés, pode jogar com as mãos. Teria uma vantagem enorme numa partida. E no jogo das estruturas bioquímicas não é diferente. Os surfactantes têm esse poder multifuncional: possuem características que lhes conferem ações diferentes em situações diferentes. Conseguem, por exemplo, diminuir tensões superficiais entre água e óleo, já que interagem com essas duas substâncias antagônicas, modificando sua estrutura conforme esteja num meio polar ou num meio apolar. Agora, imagine um surfactante sustentável, que não traz riscos ao meio ambiente e à saúde, um biossurfactante. Esse craque de bola, ou da Bioquímica, existe. Chama-se soforolipídio. Um projeto da Universidade Estadual de Londrina pretende usar toda a versatilidade dos soforolipídios e criar produtos sustentáveis nas áreas da saúde, dos cosméticos e da alimentação.

Coordenado pela professora do Departamento de Bioquímica e Biotecnologia da UEL, Maria Antonia Pedrine Colabone Celligoi, o projeto “Soforolipídios: Produção Sustentável e Aplicação nas Áreas da Saúde, Cosmética e Alimentos” intenciona inserir os soforolipídios em produtos cárneos embutidos, conferindo-lhes os benefícios de um conservante natural, além de fornecer novas estratégias antivirais contra a herpes simples e combater patógenos causadores de acne, dermatite seborreica e de odores.

Sobram qualidades aos soforolipídios, mas a mais explorada no projeto será sua ação antimicrobiana. Essa ação resulta de uma característica desse biossurfactante que tem a ver com sua estrutura peculiar, formada por lipídios ligadas a açúcares. Essa constituição lhe confere uma ambivalência funcional, fazendo com que parte dele seja polar (contém íons com cargas elétricas) e outra apolar (sem cargas). A professora Maria Antonia Celligoi explica como essa característica singular dos soforolipídios impacta nas estruturas de bactérias, fungos e vírus: “O que acontece é que como o soforolipídio possui a porção polar e a porção apolar, ele consegue penetrar na membrana do patógeno e a rompe, causando a morte dele sem prejudicar as outras células”.

O projeto abordará a ação dos soforolipídios nas áreas da saúde e dos cosméticos, mas é na alimentação que o projeto se reveste de cores inovadoras. O estudo intenciona usar os soforolipídios em embutidos de carne – algo inédito, segundo Maria Antonia Celligoi – para, através da ação antimicrobiana, conferir ao produto cárneo mais tempo de prateleira, atuando, portanto, como um conservante natural. “Hoje, as pessoas querem um alimento seguro e com uma vida útil maior, e os soforolipídios podem dar isso”, afirma coordenadora do projeto.

Maria Antonia Celligoi ao lado de um agitador magnético, um dos aparelhos usados para a produção dos soforolipídios (Foto: Agência UEL)

Além disso, a ação dos soforolipídios nos embutidos de carne renderá ao produto qualidades emulsificantes, outra característica dos surfactantes. Os emulsificantes são substâncias que facilitam a mistura de ingredientes que normalmente não se misturam, como água e óleo. De fato, a estrutura heterogênea do soforolipídio – uma parte hidrofílica e outra parte hidrofóbica – provoca a emulsificação, e cria uma ponte entre partes antagônicas de uma substância, que pode ser um leite (gordura e água), uma maionese (água e óleo) ou uma carne processada (carne, água e gordura). “Então, você consegue emulsificar o ativo ali dentro, porque ele tem essa porção polar e a porção apolar, que mantém essa capacidade de interagir com a água e com uma molécula apolar ao mesmo tempo”, complementa Maria Celligoi.

Parceria

O estudo com os embutidos cárneos será feito em parceria com o Instituto Politécnico de Bragança (Portugal), onde produtos cárneos de origem europeia serão testados para verificar a ação de soforolipídios livres e encapsulados, o que confere aos alimentos ainda mais segurança para o consumo.

Já na área dos cosméticos, além da ação antimicrobiana, os soforolipídios disponibilizarão aos produtos propriedades hidratantes e antioxidantes, que agem contra o envelhecimento. “Na oxidação, ocorre a formação de radicais livres, e o soforolipídio impede a formação desses radicais, porque ele doa elétrons, diminuindo a quantidade de radicais, e assim, retarda o envelhecimento”, explica Maria Celligoi. Além de creme e sabonete antiacne, serão testadas formulações de xampu anticaspa, desodorante e batom com atividade antioxidante e antimicrobiana.

No combate ao herpes simples (HSV-1), o projeto pretende, usando os soforolipídios, criar um creme próprio para a doença, que ainda não tem um medicamento à base desse surfactante disponível no mercado. A vantagem de um creme feito com soforolipídio em relação às medicações sintéticas, como antibióticos, comumente usadas para a doença, é de ser um produto natural, sustentável, biodegradável, entre outras, como aponta a professora: “Nós queremos que, quando você está com herpes ou acne, você tenha um filme, que pode ser de gelatina ou de outros materiais poliméricos, e que nesse filme haja um ativo que terá uma ação no machucado ou na acne muito rápida. Em 15 minutos o soforolipídio acaba com a herpes”, afirma.

Todos os experimentos utilizarão soforolipídios derivados da fermentação produzida pela bactéria Starmerella bombicola ATCC 22214, o microrganismo que mais produz soforolipídios. O substrato utilizado para a fermentação será a glicose e o ácido oleico e o processo de fermentação se dará através de biorreator de bancada.

Biorreator de bancada usado para a fermentação que produz os soforolipídios (Foto: arquivo pessoal)

Além do Instituto Politécnico de Bragança, o estudo terá a parceria da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e das empresas Biotec & Ativos Ltda, Glyom Tecnologia em síntese Ltda e Sofotec. O projeto foi contemplado no Programa Bolsas de Produtividade em Pesquisa pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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