Projeto visa criar alimentos funcionais para combater desperdício de grãos

Projeto visa criar alimentos funcionais para combater desperdício de grãos

Objetivo é aproveitar grãos envelhecidos e defeituosos para promover qualidades nutricionais a alimentos como farinhas, pães e biscoitos

Recentemente, relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) estimou que 673 milhões de pessoas tenham passado fome em 2024. Estudo feito pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) apontou que em 2020 o Brasil sofreu uma perda econômica com o desperdício de grãos na casa dos 80 bilhões de reais e, para este ano, segundo a Câmara Setorial de Armazenagem de Grãos da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), por volta de 120 milhões de toneladas de grãos não terão locais para serem armazenadas, ficando sujeitas, portanto, a perdas de qualidade para a comercialização.

O desperdício de alimentos é um problema indigesto, para o qual um estudo da Universidade Estadual de Londrina, coordenado pela professora do Departamento de Ciência e Tecnologia de Alimentos, Thais de Souza Rocha, propõe soluções sustentáveis.

O problema do desperdício de alimentos no país não é novidade, e as causas perpassam várias frentes da cadeia produtiva, como armazenamento e infraestrutura de transporte insuficientes e inadequados. Soluções, porém, são raras. O projeto “Valorização e Aproveitamento de Grãos Defeituosos ou Envelhecidos: Fontes de Peptídeos Bioativos e Ingredientes Inovadores para Alimentos Funcionais”, conduzido pela professora Thais Rocha, apresenta uma ideia prática: não só aproveitar o que seria jogado fora, mas também agregar a esse produto descartável benefícios para a saúde.

Os grãos envelhecidos ou defeituosos a serem usados no projeto virão das culturas de soja, feijão, amendoim e grão-de-bico. A escolha desses grãos para o estudo não foi aleatória. Todos eles possuem um elevado percentual de proteínas. Além disso, as produções paranaenses de feijão e de soja são robustas, pois o estado é o maior produtor de feijão do Brasil e, na soja, possui a segunda maior produção.

O projeto pretende transformar grãos envelhecidos ou defeituosos em alimentos, notadamente farinhas, de elevado potencial nutricional e que sejam funcionais, ou seja, possuem substâncias que, não sendo essenciais para o corpo humano, trazem benefícios para a saúde, tais como ação antimicrobiana, antioxidante, antidiabética e anti-hipertensiva. A professora Thaís Rocha salienta que, embora envelhecidos e defeituosos, os grãos não perdem o valor nutricional, tanto é que podem ser usados para ração animal. Entretanto, poderiam ser destinados aos seres humanos. “Os grãos envelhecidos ou defeituosos são usados para ração animal, mas, hoje em dia, quando a gente pensa em alimento escasso no mundo, não podemos alimentar animal, se as pessoas estão com fome. Vamos trazer isso para alimentação das pessoas. Para dar conta desse desperdício, vem a ideia das farinhas”, explica.

Thaís Rocha: “Quando a gente pensa em alimento escasso no mundo, não podemos alimentar animal, se as pessoas estão com fome. Vamos trazer isso para alimentação das pessoas” (Foto: Agência UEL)

A farinha será configurada de modo a permitir que nela estejam disponibilizados peptídeos bioativos para a absorção pelo organismo. Partículas pertencentes à estrutura de uma proteína, os peptídeos bioativos podem atuar em várias frentes no corpo humano, como na regulação digestiva, no combate a inflamações e no sistema imunológico. “O foco é a proteína, mais especificamente no peptídeo que está contido nessa proteína. É o benefício à saúde que vem dos peptídeos bioativos contidos nessas proteínas”, complementa Thaís Rocha.

Saúde após a digestão

O desafio das pesquisas que estudam os peptídeos bioativos em alimentos funcionais é que não há uma certeza de que, após a digestão, o peptídeo estará íntegro para ser absorvido pelo organismo. Isso porque, como os peptídeos bioativos são parte da estrutura da cadeia molecular de uma proteína, quando essa proteína é digerida no trato intestinal, o peptídeo também pode ser quebrado junto com ela, fazendo com que seus benefícios à saúde se percam. “Cada pessoa tem o seu mecanismo de digestão, mas e se ele não digerir? Nós vamos produzir a farinha, o produto, de forma que a proteína esteja preparada para que, no processo de digestão, haja a liberação. Ela já vai estar pré-hidrolisada para isso, facilitando a digestão. Vamos verificar se o peptídeo ficou disponível para a absorção”, explica a coordenadora do projeto.

Ainda segundo Thaís Rocha, não se trata de enriquecer uma farinha, mas sim de facilitar o acesso do organismo ao peptídeo. “Queremos saber se conseguimos produzir isso nesses alimentos. Se conseguimos libertar esse peptídeo da cadeia da proteína, deixá-lo livre para, quando for consumido, esteja apto a produzir a ação biológica dele”, complementa a professora. Portanto, o projeto não se propõe apenas a tornar o que seria desperdiçado aproveitável, mas dar a ele qualidades que o produto original – os grãos – não tinha, pelo menos de forma mais acessível ao organismo humano.

No estudo, os peptídeos serão disponibilizados por dois processos: germinação controlada e fermentação. Na germinação controlada, quando o grão de feijão começa a brotar, inicia-se todo um processo de metabolismo que produz várias enzimas que são capazes de quebrar proteínas para gerar uma nova planta. Essas mesmas enzimas podem liberar os peptídeos bioativos durante a quebra das proteínas. “Então, vamos analisar quais são as enzimas que estão ativas ali, como é o sinergismo entre elas, como estarão ativas, qual é o máximo de ação que conseguimos delas para produzir os peptídeos”, explica Thaís Rocha. A professora ainda salienta que, por conta dos grãos estarem envelhecidos, poderá haver uma dificuldade de fazê-los germinar. Entretanto, caso a germinação não dê certo, pode-se usar a fermentação, que, assim com a germinação, também produz enzimas que podem fazer a quebra de proteínas.

O projeto está em sintonia com o item “Consumo e Produção Responsáveis” do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas (ONU). O estudo foi contemplado no Programa Bolsas de Produtividade em Pesquisa pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e terá bolsistas de iniciação científica, de Mestrado e de Doutorado.

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