Estudo matemático compara evolução da COVID-19 no Brasil, EUA e Colômbia

Estudo matemático compara evolução da COVID-19 no Brasil, EUA e Colômbia

O objetivo é tentar estimar como a doença vai se desenvolver ao longo dos próximos meses.

Desde o início das primeiras medidas de distanciamento social no Brasil, em meados de março, pesquisadores do Laboratório de Simulação e Análise Numérica, do Departamento de Matemática, do Centro de Ciências Exatas (CCE), tem se debruçado sobre os números oficiais divulgados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) a respeito do Coronavírus. O estudo é realizado juntamente com a Universidad del Atlântico, da Colômbia, e busca comparar os impactos da pandemia no Brasil, Estados Unidos e Colômbia. O objetivo é tentar estimar como a doença vai se desenvolver ao longo dos próximos meses.

As primeiras conclusões resultaram em uma série de gráficos que demonstram que os EUA já vivem uma segunda onda da doença e que o Brasil, diferentemente, não tem ainda um platô definido. O país segue com casos em ascendência, mas não há elementos que possam comprovar que se chegou ao pico, concretizando a primeira onda pandêmica.

De acordo com o coordenador da pesquisa, professor Eliandro Cirilo, do Departamento de Matemática, também não é possível precisar se o país chegou ao topo, acenando com tendência de manutenção do número de infectados que caracteriza e consolida o platô. Ainda não se pode afirmar que haverá uma segunda onda. Segundo ele, a Covid-19 é demasiadamente complexa do ponto de vista da saúde pública, o que afeta qualquer projeção matemática.

O estudo, apesar de destoar das previsões de que o país já estaria vivenciando um platô, considera situações observadas nas maiores cidades nas últimas semanas, onde a economia vem se abrindo e o isolamento vem sendo flexibilizado por parte dos governantes, com aglomerações aumentando. “Daqui 15 dias poderemos talvez vivenciar nova aceleração da doença, assim como ocorre nos EUA. Portanto, poderá não ser um platô no caso brasileiro. Poderá ser apenas uma pequena desaceleração. Gostaria que fosse verdade o que os especialistas da OMS afirmaram, mas não dá para afirmar isto ainda”, alerta o professor.

Na Colômbia, em situação semelhante, a doença está se desenvolvendo, de forma mais atrasada que no Brasil. O país também está em processo de ascendência da pandemia e deverá atingir o pico e platô mais tarde do que no Brasil. De forma idêntica ao que ocorre por aqui, somente aulas presenciais estão canceladas, com observação de pouco isolamento por parte da população.

Em todo mundo esses estudos se tornaram importantes em virtude de não existir uma forma eficaz para achatar o pico das epidemias. Dessa forma, as medidas mais adotadas têm sido o distanciamento e o isolamento social, amparados em gráficos que demonstram a evolução do número de casos ao longo do tempo. Segundo o professor Cirilo, o Brasil não apresenta um desenvolvimento linear e de fácil previsibilidade da doença, o que implica considerar variáveis como região, condições climáticas, entre outros fatores.

Os dados sobre a doença nos três países serão coletados até 31 deste mês. A partir daí, até 20 de agosto, os pesquisadores pretendem concluir o estudo e submeter um artigo científico para uma revista especializada na área da Epidemiologia, face ao ineditismo de comparar dados entre três nações distintas, que possuem similaridades e diferenças evidentes, amparados pela simulação numérica a partir das informações, apresentadas na forma de gráficos de tendências.

Gráfico mostra evolução da COVID-19 no Brasil, EUA e Colômbia (Divulgação/LABSAN)

Nesta entrevista à Agência UEL, o pesquisador explica o conceito da chamada curva epidêmica, os objetivos dos estudos realizados e a decisão do governo estadual que decidiu por um isolamento mais radical no início de julho nas maiores cidades do Paraná. Além do professor Cirilo, também participam das análises, os pesquisadores Neyva Romeiro e Paulo Natti, também do Departamento de Matemática da UEL e outros dois pesquisadores da Colômbia, Miguel Antonio Caro Candezano e Jeinny Maria Peralta Polo.

Confira a seguir trechos da entrevista:

Agência UEL – Com base em mais de 90 dias de estudos avaliando modelos matemáticos e o Coronavírus, é possível prever um pico da doença no Brasil? Estamos ou não no pico da pandemia?

Eliandro Cirilo – A minha sensação é de que prever o pico é muito complexo porque a doença é também demasiadamente complexa do ponto de vista biológico. E isto acaba sendo uma informação complexa no mundo da matemática. Isso só seria possível se tivéssemos essa questão de saúde muito bem sedimentada em termos de conhecimento. Então a minha sensação é que hoje não é possível prever um pico da doença no Brasil. Mas é possível estimar pra onde a doença está levando a população brasileira. Com base nos estudos que estou desenvolvendo, junto com meus colegas do Departamento de Matemática, e mais a equipe da Colômbia, podemos estimar quando esse fato pode ocorrer. Considerando os dados atuais, estamos sim nos aproximando do pico, mas faço uma ressalva. Muito se fala em primeira e segunda onda do Coronavírus. Acho que estamos próximos do pico da primeira onda pandêmica.

Agência UEL – Por que não é possível precisar? Em março as autoridades de saúde afirmavam que em julho ocorreria o pico da doença.

Eliandro Cirilo – Considerando as análises que temos e os dados, posso afirmar que a doença é muito complexa. Aparentemente seria uma enfermidade similar à uma gripe, mas na hora que realizamos uma avaliação mais fina, considerando infectados e número de mortos, concluímos que não é um fato simples. Existem desde jovens que pegam a doença e vem a óbito e pacientes de idade avançada que se recuperam. Então a dinâmica, a forma que a Covid-19 acomete as pessoas não está ainda esclarecida. Eu enxergo isso nos dados. Vejo um fato comum, pessoas acima de 60 anos que morrem. Em geral são pessoas com outras doenças pré-existentes. O que não quer dizer que o Coronavírus atinge somente essas pessoas.Existem casos de jovens que morreram, sem aparentemente nenhum tipo de problema. Então para nós, olhando com percepção matemática, trata-se de uma doença muito nova para se modelar. Há muito que se fazer para descrever equações matemáticas que sejam melhor adequadas para avaliar a doença.

Agência UEL – Vamos falar sobre uma análise de dados brasileiros realizada por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp), da Universidade de São Paulo (USP) e pela Universidade Federal do ABC (UFABC) que indicou em março, no início, que o número de casos dobrava no país a cada 2,5 dias. O que o senhor tem observado atualmente?

Eliandro Cirilo – Os pesquisadores em março fizeram uma estimativa com base no histórico da doença em outros lugares. A base científica de informação foi essa. O que os dados estão mostrando hoje é outra realidade. Quando você olha a doença se espalhando no Brasil, que tem uma cultura diferente, que tem clima e alimentação distintos, diversas outras variáveis, você vai perceber que estes dados iniciais podem ser distorcidos. É perfeitamente comum.

Agência UEL – Temos um crescimento superior hoje?

Eliandro Cirilo – Nós não temos um crescimento linear. Isso implica considerar que esse crescimento pode dobrar em um tempo mais rápido ou não.

Professor Eliandro Cirilo em entrevista à Agência UEL

Agência UEL – É necessário considerar estado e a região? Isso interfere?

Eliandro Cirilo – Sim depende do lugar, clima, se a temperatura é mais fria ou não.

Agência UEL – De alguma forma o brasileiro descobriu a matemática, passou a falar nas rodas sobre curva epidêmica. Dá para explicar o que isso significa? E por que é tão importante achatar essa curva, como tanto insistem as autoridades de saúde?

Eliandro Cirilo – Basicamente a curva epidêmica demonstra a quantidade de pessoas que se tornam infectadas pela doença. Na medida que tenho isso ocorrendo em alta velocidade, sendo que muitas dessas pessoas são pacientes necessitando de atendimento hospitalar, então temos um problema. Nossa capacidade hospitalar não é suficiente para atender toda essa população acometida pela doença.Então achatar a curva é ter a menor quantidade de gente possível sendo infectada para que, a partir dela, seja possível ter segurança para o Estado poder cuidar. Se eu tiver uma quantidade absurdamente grande de paciente necessitando de hospital, e a estrutura não comporta, então temos um caos. Essa é a questão. 

Agência UEL – Esse é o caso do PR? Na semana passada o governo deixou de exigir um isolamento social mais radical nas maiores cidades. Do ponto de vista matemático, qual seria sua avaliação?

Eliandro Cirilo – Eu teria de olhar os modelos, os dados que o governo utilizou e se respaldou para tomar essa medida. Agora, eu me coloco no lugar do governo, que deve ter olhado, lá atrás, e percebeu que havia uma curva em ascensão e acelerada. Para desacelerar essa curva, houve a medida radical para segurar a propagação do vírus. Os reflexos dessas ações vão aparecer somente depois de 14 dias. Qualquer medida agora vai se mostrar eficaz somente depois de um intervalo de duas semanas, em média.

Agência UEL – Os senhores desenvolvem um estudo comparando Brasil, EUA e Colômbia. O que estas nações têm em comum? Por que estes países?

Eliandro Cirilo – Os EUA estão mais à frente de nós do ponto de vista do desenvolvimento da doença. O Brasil tem um delay em relação aos Estados Unidos, assim como a Colômbia também, em relação a nós. Os três países são diferentes. Temos os EUA bastante desenvolvido economicamente, o Brasil em desenvolvimento, porém ambos são de dimensões continentais. A grande questão é saber se a doença tem mesmo padrão nos dois países. Pegamos dados de dois países diferentes economicamente, ambos de dimensões continentais, para saber se a doença vai se desenvolver da mesma forma.Agora a Colômbia é uma nação em desenvolvimento, de dimensões menores. Será que a doença vai se descrever aparentemente igual? A diferença e a similaridade entre os três países está na questão econômica e no tamanho? A partir dessas considerações queremos saber se a Covid-19 terá o mesmo padrão de infestação. O que estou vendo nos dados é que esse padrão é parecido. Não é porque um país é rico que ele terá estrutura para impedir que a doença acometa sua população.

Agência UEL – Qual é então o objetivo final? Quando pretendem concluir as tabulações e os modelos matemáticos?

Eliandro Cirilo – Nossa equipe, juntamente com os demais colegas da Universidade do Atlântico, na Colômbia, está na parte final de modelagem e resolução numérica de um modelo denominado SIRD – sigla em inglês que significa Suscetíveis, Infectados, Recuperados e Mortos. Mas estamos fazendo pequenas alterações nesse modelo, fazendo uma proposta inédita para tentar descrever como vai ser a característica do desenvolvimento da doença nos três países em questão. Não vamos simplesmente afirmar que ocorrerá determinada situação. Quando terminarmos os estudos, deveremos ter um aglomerado de informações para tentar estimar como a doença vai se desenvolver ao longo dos próximos meses.

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