“Ficou o espírito dela para dar forças ao pessoal”, diz filho sobre o legado de Nitis Jacon
“Ficou o espírito dela para dar forças ao pessoal”, diz filho sobre o legado de Nitis Jacon
Nitis Jacon foi homenageada no último dia 9 de outubro pelo seu papel na consolidação dos objetivos previstos na missão da UEL.A cena cultural de uma cidade carrega consigo as luzes e as sombras dos seus maiores artistas de modo que alguns permanecem presentes mesmo anos após a sua partida. É o que se pode concluir sobre Nitis Jacon, dama do teatro de Londrina, falecida aos 88 anos em dezembro de 2023. Psiquiatra, professora diretora, atriz, escritora e vice-reitora da UEL na gestão 1994-1998, Nitis Jacon foi homenageada no último dia 9 de outubro pelo seu papel na consolidação dos objetivos previstos na missão da UEL. Em evento que contou com o tradicional plantio de uma muda de peroba-rosa e diversas homenagens, Nitis foi lembrada pela sua contribuição com a transformação social, econômica, política e cultural da região, mandamento expresso no documento que criou a Universidade, há 55 anos.
Para o filho mais novo, Orson Jacon, que recebeu a homenagem em nome da família, o “espírito” da mulher de todas as artes ainda está presente, impulsionando o caminhar de quem acredita que vale a pena fazer cultura pelas bandas de cá.
“Ficou o espírito de Nitis Jacon para dar forças para o pessoal carregar pedras, pois fazer cultura é como carregar pedras”, decretou o agropecuarista ao lado da esposa Shirley, no evento que reuniu ex-reitores, professores, servidores e aposentados, no Anfiteatro Maior do Centro de Letras e Ciências Humanas (CLCH).

Não há como discordar dele. Afinal, a coragem, o entusiasmo e a força de Nitis Jacon pairam sobre a cena cultural do Norte do Paraná desde 1968, com o surgimento do Gruta – Grupo de Teatro da Faculdade de Filosofia de Arapongas, e com a criação do FILO – Festival Internacional de Londrina. Na verdade, são inúmeros os feitos que concretizam a figura de Nitis Jacon na história do teatro no País e que honram uma trajetória iniciada no Grupo de Teatro Experimental, no Guairinha, em meados de 1956, quando ela já dividia o palco com jovens proeminentes, tais como Ary Fontoura, entre outros. Pelos registros públicos, é possível dizer que Nitis Jacon carregou as primeiras pedras como produtora justamente ao colaborar com a organização de um festival de teatro na capital do estado enquanto cursava Medicina na Universidade Federal do Paraná (UFPR), antes de retornar a Londrina e concluir o curso na UEL.
À época, Londrina já havia experimentado o teatro com experiências como o GPT – Grupo Permanente de Teatro, que permaneceu em cena entre 1956 e 1964, capitaneado por figuras como Roberto Koln e o jornalista Antonio Vilela de Magalhães. No entanto, foram os artistas ligados aos movimentos estudantis nas universidades que mantiveram acesa a chama do teatro na resistência contra a repressão no período mais duro da ditadura militar. Foi assim, completamente contrariada com o panorama político que se apresentava naquele momento, que Nitis Jacon iniciou – a convite do reitor Ascêncio Garcia Lopes – a sua vida enquanto servidora pública, em 1971, no setor de cultura da recém-criada Universidade Estadual de Londrina.
Proteu
Mais tarde veio o Proteu. Com o Projeto Experimental de Teatro Universitário, em cena entre 1978 e meados dos anos 90, Nitis deu voz e vez aos que assim como ela tiveram que driblar um arcabouço de restrições para encontrar um lugar no mundo. Com o espetáculo Bodas de Café (1984), a mulher de todas as artes não só contou a história de uma Londrina ainda cinquentenária sob o olhar dos personagens que não aparecem listados entre os pioneiros e vencedores – leia-se o trabalhador rural, o corretor de imóveis, as prostitutas. Mais do que isso: provou que uma experiência de criação teatral coletiva pode ser bem-sucedida, conforme atestam as 88 apresentações realizadas entre 1983 e 1984, segundo conta a professora Sonia Pascolati em sua tese de pós-doutorado pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB – 2018), publicada pela EDUEL em 2019. Isso para não falar de outros espetáculos de sucesso, como “Salto Alto”, “ZYdrina”, “Terra do Nunca”..
Desta época, Orson Jacon lembra do entra e sai de jovens artistas na casa que ela e o marido, o também médico e ex-prefeito de Arapongas, Abelardo de Araújo Moreira, construíram na cidade dos pássaros. “Ela tinha realmente essa capacidade de agregar as pessoas. Tanto ela quanto o papai criaram um ambiente em Arapongas próspero para a cultura e as pessoas se reuniam lá. O Itamar Assumpção, gente grande que ajudou a fazer a história do Proteu e de um grupo de teatro que se chamava Gruta, o primeiro que ela teve em Arapongas. Uma história tão rica”, lembra ele, com emoção e saudade no olhar.

Ao definir a mãe como uma figura carinhosa, de coração grande e agregadora, Orson não consegue segurar a emoção. Não seria diferente ao falar de um generoso ser humano que sonhou em ver as novas gerações estudando e pesquisando as Artes Cênicas aqui mesmo na Universidade Estadual de Londrina. Por meio da influência de Nitis Jacon, a UEL ganhou um curso de graduação para chamar de seu em 1990.
Mais tarde, entre 1994 e 1998, foi a vez de trabalhar pela instituição enquanto vice-reitora, na gestão do professor Jackson Proença Testa (1994 – 2001). Em 2002, Nitis assumiu a administração do Teatro Guaíra após convite do então governador Roberto Requião, permanecendo por três anos em uma gestão marcada pelo programa Paranização, que fez circular por todo o Estado projetos especiais, música, dança e teatro, expressando e fazendo brotar a arte. Ela ainda teve uma profícua carreira como médica psiquiátrica e atuou, também, como diretora clínica do Hospital Psiquiátrico de Rolândia. Aposentou-se na UEL em 2003, porém seguiu cuidando de muita gente, algo que aprendeu ainda na infância, em Lençóis Paulista, interior do estado de São Paulo.
Ao falar sobre este período em entrevistas, Nitis Jacon lembrou que o teatro surgiu em sua vida como um recurso para driblar a precariedade, afinal – além de carregar pedras – fazer teatro também é brincar. As dificuldades que se apresentaram na adaptação das famílias que vieram da Itália e da Espanha – caso dos seus pais – foram inúmeras e ajudaram a moldar tanto a identidade cultural de um estado inteiro, o coração econômico do País, quanto o caráter de Nitis Jacon. Não por acaso, a Folha de Londrina publicou uma de suas mais certeiras declarações, feita aos 48 anos, e que já aparece no título da reportagem: “Nitis Jacon de Araújo Moreira, a mais polêmica diretora de teatro do Paraná, avisa aos rivais: Eu não vou morrer nunca!”, publicou o jornal, em 11 de dezembro de 1983. Ninguém nunca ousou discordar.

(*Assessor Especial na Coordenadoria de Comunicação Social).
