“A linguagem é um objeto político”

“A linguagem é um objeto político”

Professor aposentado da UFPR, o linguista Carlos Alberto Faraco proferiu palestra no lançamento de livros da Eduel, na noite desta quinta (23).

O linguista, pesquisador e professor aposentado da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Carlos Alberto Faraco esteve no Centro de Letras e Ciências Humanas (CLCH) da UEL na noite desta quinta-feira (23), onde proferiu a palestra “Políticas Linguísticas brasileiras têm futuro?”. O professor participou do lançamento de dois livros na área lançados pela Editora da UEL (Eduel), num evento promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem (PPGel). Ele é autor de um capítulo de uma das obras lançadas, “Em Torno (ENTORNO) da Pedagogia da Variação Linguística”. Na ocasião, também foi lançado o livro “Duas décadas de contribuições do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem – UEL”.

Em entrevista antes da palestra, ele desenvolveu algumas ideias sobre uso da linguagem, mídia e desafios para o aprendizado da língua, entre outros pontos. Naturalmente, a primeira questão é o tema da palestra. Faraco é contundentemente enfático: “A linguagem é um objeto político”, anuncia. Isso porque, em sua avaliação, a língua está presente nos muitos litígios políticos observados, sobretudo neste século. Está presente nos grandes debates, nas discussões (e dissensões), no exercício do poder e até na desinformação.

Quanto às políticas, o professor destaca que muitas políticas linguísticas simplesmente são interrompidas, muitas vezes por ação estatal (de governos). Um exemplo está no ensino de língua espanhola. Depois de um período de crescente valorização – em parte por conta do Mercosul – o espanhol perdeu o interesse, e as licenciaturas neste idioma são algumas das testemunhas deste declínio.

“Estamos vivendo uma infodemia”, afirma o professor Carlos Faraco (Divulgação).

Felizmente, por outro lado, existem as políticas bem-sucedidas, como é o caso da Linguagem Brasileira de Sinais (Libras), que alcançou reconhecimento (acadêmico, social e jurídico) e hoje há cursos, formações e estudos, assim como sua adoção disseminada em eventos, programas de TV e outros espaços.

Cacofonia

Outro problema relacionado à língua é o excesso de informação que causa desinformação. Um termo muito conhecido em Linguística é a “polifonia”, ou seja, a pluralidade de “vozes” encontradas em um texto, que representam interesses e ideologias. Para o professor, o que existe é uma cacofonia, isto é, vozes desagradáveis, confusas, altas, que mais fazem barulho do que comunicam. “Estamos vivendo uma infodemia”. O termo foi cunhado pela Organização Mundial da Saúde (por causa da covid-19) e designa “um excesso de informações, algumas precisas e outras não, que tornam difícil encontrar fontes idôneas e orientações confiáveis quando se precisa”.

“Tanta informação é na verdade informação nenhuma. É uma verdadeira algaravia (linguagem incompreensível)”, resume Faraco. Segundo ele, não se tem mais parâmetros de confiabilidade nesse enorme volume de informações. Isto ecoa na própria língua. Por exemplo: o termo “discursos”, para falar de pontos de vista ideológicos, cedeu lugar às “narrativas”. E o linguista indaga: E o que são estas narrativas? Ficção? Novamente, parecem carecer de confiabilidade.

Em sua avaliação, esta confiabilidade, seguramente, não está nas redes sociais. E não mais na grande imprensa, que já não investiga a fundo, não abre espaço para o contraditório, mas pratica mais uma defesa de determinados pontos de vista. Emprestando uma expressão, o professor diz que chegamos a uma “língua de madeira”, repetitiva, burocratizada, que dificulta a compreensão. Vem da ideia de que ao bater na madeira ela não ressoa, como faria por exemplo o cobre.

Aprendizado

Diante deste cenário, o aprendizado, compreensão e domínio da língua ganham ainda mais desafios. A infodemia e a mencionada falta de confiabilidade dela derivada são um deles. Além disso, Faraco entende que muito se perdeu nas últimas décadas, quando se fala da pedagogia e da própria escola. “O espaço de significado da sala de aula foi diluído. Evaporou-se”, argumenta. Ele tem sido esvaziado por outros espaços sociais, como a Internet, mas que levam apenas informação (ou desinformação). O professor acrescenta: “Os alunos hoje não se concentram em textos longos. E aí, quando precisam escrever, fica muito mais difícil. Ainda vale aquela antiga máxima: ‘quem não lê não escreve’”.

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