O sentido de ser artista, professor e pesquisador

O sentido de ser artista, professor e pesquisador

Projeto se fundamenta na Filosofia de Martin Heidegger e se materializa em peças de gravura para refletir sobre a formação artística em suas três dimensões.

O filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976) é um dos pensadores mais conhecidos e, como tal, perscrutou uma variedade de temas, da política à arte, passando pela linguagem e pela metafísica. Foi justamente em seu pensamento que o professor Claudio Luiz Garcia, do Departamento de Arte Visual (Ceca) descobriu algumas respostas (e mais indagações) associadas ao sentido de ser professor, artista (ou, como ele prefere, “criador”, pois um artista nunca está pronto) e pesquisador, “‘na’ formação de professores de artes, ‘para’ artistas em formação e ‘com’ professores em formação continuada”.

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Edição número 1418
de abril de 2022
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Garcia coordena o projeto de pesquisa “Os livros de horas, hoje: livro de artista, de professor, de pesquisador”, em fase de encerramento (conclui agora em julho) e entrega de relatório final. O projeto teve início há cinco anos, mas a pesquisa do professor é bem mais antiga e nasceu da prática em sala de aula. Além de aplicar o projeto na prática docente cotidiana, já rendeu trabalhos apresentados em eventos acadêmicos e artigos publicados.

Docente de xilogravura (1º ano) e gravura em metal (4º ano), o professor provocava discussões de textos, tanto no ensino quanto em projetos anteriores. Muitos debates chegavam a pesquisas de trabalhos de conclusão de cursos (ou outros), em estudos sobre a ligação entre textos verbais e imagéticos.

Com o objetivo de expandir as discussões, o professor entrou em outras áreas do conhecimento, como a poesia, e acabou encontrando a Filosofia de Heidegger. Sua tese de Doutorado, defendida em 2010 na Universidade de Campinas, intitula-se “Livros de Horas: experiências artísticas, pesquisa e ensino” e sintetiza o objeto de que sua trajetória de estudos vem se ocupando.

Claudio Garcia: o sentido de ser aparece no momento da avaliação do trabalho do aluno (Foto: Raquel Pimentel/Agência UEL).

Mas o que são os “livros de horas”? São livros devocionais, notadamente familiares, surgidos no final da Idade Média, ricamente ilustrados, que continham principalmente orações, mas também calendário de festas de santos, liturgias e outros conteúdos devocionais. Quanto mais rica a família que encomendasse um livro, mais opulento ele seria. O mais famoso deles é “As Riquíssimas Horas do Duque de Berry”, do início do século XV.

No caso do professor, seus livros não reúnem orações ou narrativas hagiográficas, mas textos de próprio punho e cópias impressas de seus próprios trabalhos em gravura em cobre (as “provas de estado”), em páginas de material que imita tecido e parecem desgastadas com o tempo. São livros em vários tamanhos e diferentes números de páginas. Em suas páginas, o próprio Garcia reconhece: há um caos, que pode se originar numa crise.

Reflexão e crise

É ali que se encontram pistas para esta reflexão existencial (que pode conduzir à crise) em torno da temática do ser (criador, professor etc.). Boa parte das gravuras é de retratos e, como explica o professor, a arte da gravura requer um processo lento de trabalho, em que o criador precisa fazer sem pressa e passar um tempo com a obra em criação. Pensando nas atuais gerações, sempre apressadas e desejosas de gastar mais tempo conectadas do que em outras atividades (como leitura de textos acadêmicos), é mais um ponto de discussão em sala de aula.

O coordenador do projeto conta que o quinto capítulo do livro “Ser e tempo” de Heidegger, publicado em 1927, é particularmente útil. Na verdade, “o ponto em torno do qual o pensamento, as leituras e as conversas se dão em uma consciência entre o fazer e o pensamento lançado numa prática poética”, afirma, alcançando, em suas palavras, “uma análise temática do ‘ser-em’”.

Três conceitos importantes para o projeto surgem no texto do filósofo alemão: o falatório, a curiosidade e a ambiguidade. O primeiro atua no nível do discurso (linguagem, modo de ver e interpretar o cotidiano); o segundo, nas relações entre a ansiedade do artista e as imagens já existentes ou que virão a existir: uma curiosidade insaciável. E por fim, o terceiro: a ambiguidade põe em xeque todas as certezas presumidas.

O professor explica que os alunos não produzem seus próprios livros, embora possam. O ponto é que, ainda assim, as atividades os fazem confrontar tanto com o conteúdo das disciplinas quanto o próprio modo de fazer e o que significa este fazer. Toda esta reflexão é avaliada, segundo ele, no momento da avaliação do produto, da obra, da gravura produzida pelos alunos.

Não se trata, então, de aprovar ou reprovar, mas avaliar o grau de envolvimento dos alunos com sua própria produção e formação. “O sentido de ser aparece na avaliação. Não como artista, mas como estado de arte”, pondera Garcia.

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