Resíduos do bem

Resíduos do bem

Pesquisadores de várias instituições convergem esforços em busca de materiais cimentícios mais resistentes e sustentáveis a partir de diferentes fontes.

A professora Berenice Martins Toralles, do Departamento de Construção Civil (CTU), coordena o projeto de pesquisa “Autocicatrização de compósitos cimentícios” desde 2019, com duração prevista de cinco anos, e já em reta final, segundo ela. Este projeto, porém, representa apenas parte das pesquisas nas quais ela está envolvida, na maioria como orientadora de mestrado, doutorado ou pós-doutorado, e que tem como objeto e foco o estudo de materiais cimentícios mais duráveis, resistentes e sustentáveis para serem usados em larga escala, ou seja, na indústria da construção. Um dos principais desafios para aprimorar tais propriedades do cimento é reduzir sua porosidade, para que fique menos permeável e sujeito à corrosão pela água, oxigênio e até microrganismos.

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Edição número 1420
de junho de 2023
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Professora de Materiais na UEL, Berenice tem uma longa trajetória de pesquisa na área. Doutorou-se na Universidade da Catalunha, na Espanha, onde estudou materiais de alta resistência. No pós-doutorado, na mesma instituição, foi além: materiais de ultra alta resistência. Na volta, dedicou-se a melhorar as propriedades do cimento com o uso de resíduos e até de bactérias para, por exemplo, selar pequenas fissuras no material.

Paralelamente, começaram as pesquisas com o uso de escória, um subproduto gerado na fabricação de ferro, impureza retirada do minério bruto extraído do solo. A escória é um conhecido material cimentante que chegou a substituir 90% do cimento comum nos experimentos, com sucesso. É abundante e produzido principalmente em Minas Gerais, além de ser viável para o projeto.

Berenice explica que a escória vem em forma granulada e é moída até ficar na consistência do cimento (ou areia). Os pesquisadores foram testando a proporção do material misturado ao cimento até chegar à substituição de 90%. A professora explica que o Brasil produz um cimento de excelente qualidade. Contudo, para cada tonelada de cimento, são também produzidos 800kg de gás carbônico, o que é muito indesejável. O emprego da escória reduz isso.

“O Brasil produz um cimento de excelente qualidade. Contudo, para cada tonelada de cimento, são também produzidos 800kg de gás carbônico”, afirma a professora Berenice.

Outra linha de pesquisa testa nanopartículas de sílica, um resíduo nobre da produção de ferro gusa, capaz de deixar o cimento mais denso. A professora Berenice enfatiza a importância da parceria entre os pesquisadores da Engenharia e os da Física e Microbiologia da Universidade.

Tem mais: um pesquisador da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), ligado ao projeto, desenvolve um estudo da utilização da fibra de malva (celulose), uma planta ornamental, para dar mais densidade e resistência ao cimento. De fato, o projeto envolveu também pesquisadores (orientandos) na Universidade Estadual de Maringá, além de um ex-orientando colombiano que atualmente estuda concreto permeável no Chile. O concreto permeável, aliás, é quase uma espécie de Graal para Berenice, como professora de materiais. Resistente e durável, ele evitaria acúmulo de água nas ruas e calçadas das cidades após as chuvas.

Impressão 3D

A professora Berenice foi, novamente, contemplada com bolsa produtividade: já são seis anos. Esta será aproveitada no projeto que está ainda no início, que visa à impressão de uma casa em 3D usando metacaulim, um material obtido da moagem e calcinação de uma espécie de argila encontrada no Norte e Nordeste do país.
O objetivo é construir moradias de 35 m² para pessoas em situação de vulnerabilidade de qualquer tipo – desde uma família temporariamente desalojada por um temporal até sem-tetos. Atenta, a pesquisadora falou de iniciativas como a da ICON, uma empresa em Austin (Texas), que já ergueu condomínios com impressão 3D.

A coordenadora já conta com um vínculo com o Sindicato da Construção Civil (Sinduscon), uma bolsista de pós-doutorado (na área de eficiência energética e conforto térmico), um mestrando e um doutorando. Um dos desafios é conseguir a máquina impressora. Enquanto isso, os resultados das pesquisas têm sido divulgados em eventos científicos, publicados em artigos e disseminados na forma de dissertações, teses e relatórios de pós-doutorado.

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