Futuro a ser protegido
Futuro a ser protegido
Projeto multi-institucional e multinacional pesquisa sistemas de proteção à criança e juventude em quatro países de língua portuguesa de três continentes.A trajetória de pesquisadora da professora Andrea Pires Rocha (Departamento de Serviço Social) há muitos anos orbita as condições sociais de crianças e adolescentes, não apenas no Brasil. Desde 2020, ela coordena o projeto de pesquisa “Sistemas de produção e garantia dos direitos humanos voltados à infância e juventude em Portugal, Angola, Moçambique e Brasil”, que objetiva – entre outros pontos – conhecer e comparar tais sistemas e mecanismos envolvidos, sociais e legais, levando em conta as particularidades históricas de cada nação.
Inicialmente previsto até julho de 2024, o projeto já terminou sua primeira fase – o levantamento de documentos e dados dos países em foco – e parte para a segunda e última fase, a produção de relatos de protagonistas sociais, para fins de estudo comparativo. O objetivo final é “investigar como esses sistemas acontecem em Portugal, Moçambique, Angola e Brasil, o que poderá suscitar o conhecimento de ações inovadoras, reflexões acerca de fragilidades e a construção de debates no terreno da defesa dos direitos humanos em tempo de crise do capital, recrudescimento do Estado neoliberal de cunho penal e dos impactos do durante e pós-pandemia de Covid-19”, detalha o projeto.
Andrea explica que o projeto conta com a colaboração de pesquisadores de todos os países envolvidos, que trocam dados e conhecimentos, incluindo Universidade de Coimbra, a Universidade Privada de Angola (UPRA), a Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Franca/SP e a Universidade Estadual do Paraná (Unespar). Ela destaca a participação do professor José Francisco dos Santos, da Universidade Federal do Oeste da Bahia (Ufob), pesquisador da História da África, que vem regularmente a Londrina. Participam ainda estudantes de Iniciação Científica (graduação), que levantam os termos de cooperação entre os países.
O professor José Francisco relata que o projeto nasceu na UEL e em seguida foi proposto na UFBA. Depois, veio a parceria com a UPRA e com Moçambique, através de uma doutoranda moçambicana na Universidade de Coimbra, que logo também ingressou na parceria. Este trajeto incluiu contatos com vários outros pesquisadores, por exemplo da Universidade Eduardo Mondlaine (UEM), Universidade Rovuma (UNIROVUMA) e Universidade Wutivi (UniTiva), todas de Moçambique. Dentro do Brasil, o projeto conecta as regiões Nordeste, Sul e Sudeste.
Diferente de outros projetos, este não sofreu tanto o impacto do auge do período pandêmico. “Fizemos reuniões online com saraus, apresentações de música e poesia”, comenta a coordenadora. Segundo ela, cada país fazia seus encontros localmente e, uma vez por mês, todos se encontravam virtualmente para trocar experiências e novidades.
Direitos para quem?
Quando se fala em proteção a direitos, uma pergunta surge: direitos para quem? A professora Andrea lembra que “cidadão” não é, na prática, um conceito que pode ser aplicado a todos igualmente. Da Grécia antiga ao Brasil de hoje, os direitos fundamentais não são assegurados a todos. Fica ainda mais fácil entender quando se pensa em países como o Brasil, Moçambique e Angola, que por séculos foram apenas colônias portuguesas.
Aí entram as singularidades de cada país. Angola e Moçambique só ficaram independentes em 1975, diferente do Brasil que deixou de ser colônia há 215 anos, foi Império por quase sete décadas e tem mais de um século de período republicano. Nos países africanos em foco, explica a pesquisadora, tudo é muito recente: os conflitos pela independência foram imediatamente sucedidos por uma guerra civil, que em Moçambique durou quase 16 anos, mas em Angola durou 26. A Constituição de Angola é de 2010 e a de Moçambique, de 2018. Não há, portanto, um histórico de movimentos sociais como no Brasil.
Andrea conta que o projeto faz esta “triangulação”, ou seja, observa as realidades de Portugal, Brasil e Angola/Moçambique. “Nos países africanos, o racismo é naturalizado pela sociedade. É estrutural. Ele nem é discutido”, relata. Lá não existem sistemas de proteção em forma de políticas públicas, porém a própria cultura criou mecanismos, na medida em que a comunidade fornece alguma proteção às crianças e jovens. Também não há entidades de controle popular, como os Conselhos Tutelar, da Criança e do Adolescente). A participação da sociedade civil é mínima. Sequer existe orçamento para isso. O que há são organizações não-governamentais.
Angola possui um Ministério da Justiça e Direitos Humanos e Moçambique o Ministério do Gênero, Criança e Ação Social. Quanto à proteção legal, até 1974 Angola e Moçambique viviam sob a vigência do Estatuto do Indígenas Portugueses, um Decreto-lei português (nº 39.666) de 1954. Mas existem Juizados de Menores, previsão legal de medidas sócio-educativas e Moçambique tem sua Lei de Promoção e Proteção dos Direitos da Criança desde 2008. O Estatuto da Criança e do Adolescente brasileiro é de 1990. Em Portugal e Angola, a maioridade penal é aos 16 anos.
Os países africanos veem o Brasil, segundo a professora Andrea, como um exemplo. Ela anota que a cultura brasileira é difundida por lá, a exemplo das novelas.
Desafios e ações
Há grandes desafios pela frente, de acordo com a pesquisadora, em todos os países em foco. Entre eles, trabalho infantil, insegurança alimentar, falta de acesso à saúde e à educação, e até – no caso africano – casamentos de adolescentes. Novamente, a professora lembra do aspecto cultural, que muitas vezes conflita com os direitos humanos. A linha entre um e outro nem sempre é bem definida e não pode ser arbitrada unilateralmente.
O projeto prossegue no aprofundamento das informações. Já promoveu mesas-redondas e outros eventos, como um seminário internacional em 2021 que resultou, entre outros frutos, na publicação de um e-book, lançado ano passado. O relatório da primeira fase está sendo finalizado e a segunda fase, das entrevistas, também resultará em uma publicação, talvez ainda este ano. Boa parte da produção pode ser encontrada no canal do YouTube Aquilombando a Universidade e outras produções, como artigos e trabalhos de conclusão de curso de graduação e pós-graduação, foram realizadas.
Andrea foi contemplada no edital de pesquisador com bolsa produtividade e aplicará os recursos em seu novo projeto, que inicia no próximo semestre, especificamente sobre a juventude. Esta bolsa é concedida pelo CNPq aos pesquisadores que se destacam e visam a valorização da produção científica em desenvolvimento tecnológico e inovação.