Uberização do trabalho é tema de grupo de pesquisa na Comunicação
Uberização do trabalho é tema de grupo de pesquisa na Comunicação
Tema discutido no Brasil de hoje está na pauta do grupo Cubo, vinculado ao CNPQ: a regulamentação do trabalho de transporte por aplicativos.Contribuir com o debate em torno do trabalho mediado por plataformas digitais no Brasil, avaliando implicações do uso massivo dos aplicativos sobre os modos de vida e o mundo do trabalho. Este é um dos objetivos do Grupo de Pesquisa Economia Política da Comunicação e Crise do Capitalismo (Cubo/UEL), vinculado ao CNPq, que é desenvolvido no Departamento de Comunicação (Ceca). As discussões do grupo de estudantes e professores avançam sobre uma das principais pautas na agenda pública atualmente: a regulamentação do trabalho de transporte via aplicativos.
Promessa de campanha feita pelo presidente Lula, o texto contendo novas regras a serem cumpridas pelas plataformas de transporte foi enviado ao Congresso Nacional nesta segunda-feira (4), após dez meses de negociações envolvendo o Ministério do Trabalho e Emprego, sindicatos e representantes das empresas de caronas pagas. Contendo diretrizes que valem apenas para o transporte de pessoas em veículos de quatro rodas, o projeto de lei de regulamentação foi enviado em regime de urgência constitucional. Os deputados e senadores possuem, agora, 45 dias ao todo para analisarem a proposta.
Coordenador do Grupo de Pesquisa, o professor Manoel Dourado Bastos, do Departamento de Comunicação, destaca que as transformações dos modelos de trabalho no Brasil são analisadas pelo grupo à luz da Economia Política da Comunicação (EPC), subárea recente que aplica conceitos de economia política aos estudos da comunicação, informação, cultura e trabalho, por exemplo. Neste contexto, projetos como o que permitiu a terceirização das atividades-fim das empresas e as novas regras trazidas com a Reforma Trabalhista foram alvos de análises importantes, precedidas dos debates sobre o atual fenômeno, que já é chamado de plataformização ou, ainda, uberização do trabalho.
Referente a um contexto mais amplo, o termo empresta o nome do maior aplicativo de caronas pagas do mundo, o Uber, que completa dez anos no Brasil em 2024, para definir o processo de intermediação entre contratantes e profissionais pelas plataformas digitais. Nesta discussão, não se trata de negar os avanços tecnológicos e ganhos em produtividade ora registrados, mas compreender de que forma o novo modelo de trabalho por demanda pode provocar a precarização do trabalho e da vida de milhares de motoristas. Dados da própria plataforma apontam, em 2023, um número de 1,6 milhões de motoristas cadastrados em todo o Brasil.
Elusão fiscal
Traçando uma linha do tempo até o atual cenário de escassez de empregos formais, desenvolvimento tecnológico e substituição de mão-de-obra, o docente lembra que as classes trabalhadoras conquistaram direitos importantes ao longo do século XX, tais como férias remuneradas, 13º salário, descanso semanal e licença-maternidade, por exemplo. No entanto, esse conjunto de direitos, “do ponto de vista das empresas, é um problema porque ‘come’ as suas condições de lucro”. “É isso que eles entendem”, afirma o professor.
“Na nossa concepção, as empresas buscaram a lógica do trabalho mediado por plataformas exatamente porque esta mediação é feita por um aparato técnico que elude a lógica das relações de trabalho, que é no plano jurídico.”
Manoel Dourado Bastos, coordenador do Cubo/UEL.
Para ele, o capital financeiro encontrou nos aplicativos uma forma de cometer o que os profissionais das ciências contábeis chamam de “elusão fiscal”, ou seja, uma prática legal em que a empresa deixa de denominar corretamente qual atividade exerce em detrimento de pagar menos impostos. “A empresa não comete um crime, mas se equivoca na forma de identificar qual foi a atividade econômica que procedeu, gerando diferença no recolhimento dos impostos”, menciona Bastos.
Em seu site oficial, a Uber diz que repassou R$ 68 bilhões aos motoristas e entregadores e R$ 4,2 bilhões em tributos federais (PIS, Cofins e Imposto de Renda) e municipais (ISS e outros), entre os anos de 2014 e 2020.
Trabalhador x autônomo
É no centro dessa discussão que se encontram também as complexidades envolvidas na conceituação da figura do motorista como um trabalhador produtivo, explica Bastos. Para a teoria marxista, base do pensamento defendido pelos autores estudados nessa vertente da EPC, o trabalhador-motorista distingue-se do entregador de alimentos (motoboys), por exemplo, uma vez que não está gerando “mais-valia” na sua ocupação profissional. “Nem os marxistas têm um consenso em relação a isso. Mas, do ponto de vista conceitual, isso é complicado porque o Uber entra na exploração de um trabalho que não é produtivo. Quer dizer, o trabalhador é explorado, mas não é produtivo”, destaca o professor.
Apresentado nesta segunda-feira, o Projeto de Lei Complementar (PLC) do Governo Federal cria um regime de trabalho e categoriza os motoristas na figura do “trabalhador autônomo por plataforma”, afastando vínculo empregatício nos moldes da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Por outro lado, estabelece às empresas o pagamento por hora trabalhada e a contribuição ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
“O resultado final é esse, um ‘monstro’ jurídico, uma modalidade de um trabalhador que não é um trabalhador, que é a ideia de um trabalhador autônomo. Ele não é empregado de ninguém, mas as empresas são responsáveis por recolher a parcela de contribuição previdenciária. A nossa tese é essa, de que o trabalhador é e não é, ou seja, uma gambiarra jurídica”, avalia o professor, prevendo que outras categorias profissionais sejam empurradas para esta legislação.
Enquanto o projeto de regulamentação da atividade de motorista tramita no Legislativo, a expectativa é grande sobre os avanços nas negociações entre as plataformas de entrega de alimentos, como Ifood e Rappi, e entregadores – estes, mais bem organizados e combativos. Representados por um sindicato sediado na cidade de São Paulo (SP), os entregadores são contrários à regulamentação nos moldes apresentados nesta segunda-feira, alegando que o projeto de lei prevê uma “aniquilação total” da proteção trabalhista conforme já vem sendo feito pelo Supremo Tribunal Federal (STF) quando acionado após decisões favoráveis aos trabalhadores concedidas pela Justiça do Trabalho.
Plataformização do trabalho
Na Universidade Estadual de Londrina, lembra o professor, pretende-se avançar com a produção de conhecimento sobre a plataformização do trabalho, reunindo pesquisadores de outras instituições. Desde 2020, ano da pandemia da Covid-19, o grupo vem realizando contribuições em outra plataforma – esta de áudio – com o podcast Jogando Dados (confira abaixo). Como sugestão de leitura, o professor destaca a tese de doutorado “Divisão do Trabalho e Circuitos da Economia Urbana em Londrina – PR”, defendida em 2009 no Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP).
Na tese, o autor Edilson Luis de Oliveira, professor do curso de Geografia da UEL, analisa as transformações da economia urbana londrinense a partir de três atividades do circuito inferior da economia: o comércio no Camelódromo e os serviços de mototáxi e de entregas realizadas por motoboys. Na produção, Oliveira se debruça sobre as ideias do geógrafo e professor universitário Milton Santos (1926-2001).
“A divisão do trabalho hegemônica apresenta características específicas em face da dinâmica do período atual, especialmente as determinações emanadas da economia global. Milton Santos afirma que a divisão do trabalho progressivamente deixou de ser produzida de forma relativamente espontânea e passou a ser objeto de intencionalidades guiadas por parâmetros científicos e que ‘por isso a consideramos uma divisão do trabalho administrada, movida por um mecanismo que traz consigo a produção de dívidas sociais e de disseminação da pobreza numa escala global”, diz um trecho da pesquisa.