Uma Ciência para definir limites
Uma Ciência para definir limites
Projeto "Negócios biojurídicos: as tecnologias e o Direito Civil" é ligado ao PPG em Direito Negocial da UEL, no campo do Biodireito.A discussão é antiga e sempre se renova: onde começa e onde termina o direito de um indivíduo, perante outro e perante a coletividade? Os mais recentes debates têm sido em torno do direito de não se vacinar e o de exigir passaporte sanitário. O Biodireito, porém, vai muito além, impulsionado por uma série de novas situações fáticas resultantes dos avanços científicos e tecnológicos, particularmente no campo da saúde, e que a legislação não dá conta de acompanhar, já que o processo de criação de leis é muito mais lento, em razão de suas dimensões políticas e jurídicas.
A professora Rita de Cássia Resquetti Tarifa Spolador, do Departamento de Direito Privado, do Centro de Estudos Sociais Aplicados (Cesa), é estudiosa do Biodireito desde os tempos de sua Especialização, e aprofundou sua investigação no Mestrado, na UEL, e no Doutorado, na UFPR, concluído em 2010. Como os avanços não param, o Direito está sempre sendo desafiado. Assim, há mais de três anos, ela coordena o projeto de pesquisa “Negócios biojurídicos: as tecnologias e o Direito Civil”, ligado ao Programa de Pós-graduação em Direito Negocial da UEL. A professora já havia coordenado projeto anterior, “Biodireito nos contratos”, mais genérico.
Agora, trata-se de buscar e analisar contratos com características inovadoras que encontram lacunas nas leis. Por exemplo, um contrato de doação de material genético, que exige uma série de definições de responsabilidades: coleta, guarda, transporte, conservação, descarte. A Lei Nacional de Biossegurança (lei 11.105/2005) foi uma tentativa, mas não é suficiente para abranger todos os casos que surgem. Ela estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados (OGM) e seus derivados. Alguns casos também são normatizados pelo Conselho Federal de Medicina, mas ainda assim não é o bastante.
O Biodireito, segundo Rita de Cássia, é uma ciência autônoma complementar à Bioética, estudo interdisciplinar que trata das implicações éticas relativas à vida, humana ou animal, e ao meio ambiente. “O Biodireito vem interpretar questões que precisam de limites, para questões tormentosas, para escolhas trágicas que às vezes as pessoas precisam fazer”, explica a professora, que é integrante da Comissão de Bioética e Biodireito da Ordem dos Advogados do Brasil.
Ela dá outro exemplo: o armazenamento (congelamento) do sangue do cordão umbilical do recém nascido, um procedimento caro muito adotado anos atrás. A ideia era ter um banco de células-tronco disponíveis caso a criança apresentasse alguma doença posterior tratável com elas. A eficácia desta técnica foi colocada em xeque, mas gerou contratos que tanto foram analisados pelo Poder Judiciário quanto por estudantes, uma vez que a professora os leva para a sala de aula para discussão.
Testamentos vitais
Existem também as chamadas diretivas antecipadas de vontade, também conhecidos como “testamentos vitais”. Não chegam exatamente a ser testamentos, do ponto de vista jurídico, porque nem sempre se referem à vontade a ser satisfeita post mortem. Por exemplo, a vontade de não ser submetido a algum tipo de tratamento ou procedimento, antecipando que não poderá decidir quando acontecer.
Um grande número de mulheres com dificuldades de gravidez procura clínicas para reprodução assistida, e o tratamento exige um contrato entre as partes, especialmente por causa dos embriões congelados. A professora cogita uma hipótese: um casal inicia o tratamento, congela embriões, mas aí o casal se divorcia e não concorda mais sobre o que fazer. Como ficam os embriões? O descarte é vedado pela lei. Outro exemplo ainda é o contrato de cessão de útero, popularmente conhecido como “barriga de aluguel”.
Produção
Os estudos desenvolvidos no projeto têm sido apresentados em eventos científicos e até premiados, como foi o caso na 16ª edição do ETIC – Encontro Toledo de Iniciação Científica (Presidente Prudente/SP), em setembro do ano passado, com um trabalho justamente sobre o dever de informar do médico no contexto da pandemia do novo coronavírus. É um caso emblemático para o Biodireito: direito ao sigilo do indivíduo versus saúde pública. a Lei nº 14.289, de janeiro deste ano, obriga o sigilo sobre a condição de pessoas infectadas pelo vírus HIV e hepatites crônicas. Mas e para as infectadas pelo coronavírus? Passaporte sanitário? Questões para o Biodireito resolver.
Além dos eventos, o projeto gerou publicações: seis livros já foram lançados e o sétimo está em gestação.