Maestro e gestor da Osuel, Rossini Parucci fala sobre desafios para 2024

Maestro e gestor da Osuel, Rossini Parucci fala sobre desafios para 2024

Regente de 42 anos assume entusiasmado para transformar a Osuel em um das "maiores do Brasil". Série de 40 anos trará 24 concertos durante o ano todo.

A pouco mais de um mês para o início da Temporada Ouro Verde 2024, nos dias 14 e 15 de março, o entusiasmo e a alegria do diretor artístico e novo regente titular da Orquestra Sinfônica da UEL (Osuel), Rossini Parucci, assemelham-se à de um jovem músico prestes a encarar a plateia em sua primeira apresentação ao vivo. Aos 42 anos, Parucci aceitou o desafio de retornar à sua cidade natal para comandar a mais antiga orquestra sinfônica do Paraná. Rossini vai iniciar essa jornada pela programação alusiva ao aniversário de 40 anos da orquestra, fundada em 14 de março de 1984 por Othônio Benvenuto (in memorian) – de quem, inclusive, foi aluno.

Para marcar os 40 anos, 24 concertos divididos em quatro séries temáticas alusivas ao café (Arábica, Bourbon, Catuaí e Conilon) irão compor a Temporada Ouro Verde, reunindo convidados em torno das obras de compositores clássicos e da Música Popular Brasileira (MPB), caso do grupo mineiro e mundialmente aclamado Clube da Esquina.

Tendo absoluta certeza de que “os sonhos não envelhecem”, Parucci almeja, também, driblar os desafios impostos pela ausência da reposição dos músicos que se aposentaram nos últimos anos. Este processo de diminuição da orquestra ainda foi acelerado em 2022, com o falecimento prematuro do trombonista Elder Gimenes, vítima de uma parada cardíaca aos 46 anos, dos quais 25 anos de serviços prestados à música na orquestra. Antes dele, em 2021, Benvenuto fez o seu último movimento, aos 95 anos. Longe da Osuel desde 2002, ele residia em Gurupi, no Tocantins. 

Parucci em ação, com a Osuel. Gestor musical e administrador, o maestro tem planos para a primeira orquestra da história do Paraná (Fabio Alcover).

Em entrevista concedida diretamente de Minas Gerais, Parucci contou à Agência UEL um pouco sobre as estratégias que vêm sendo implementadas para garantir não apenas a manutenção, mas a expansão das atividades. “Minha ida para Londrina não é só para reger, não é só artística. Talvez, eu diria até que principalmente, é administrativa, porque a ideia é reorganizar a forma com que a orquestra é administrada”, avisa o novo mestre, que vinha atuando como contrabaixista e regente convidado da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, “modelo de gestão para todo o País, atualmente”, destaca. 

No “belo horizonte” previsto por ele para a Osuel, estão incluídas parcerias que irão fomentar apresentações nos bairros e distritos rurais, além dos já conhecidos Concertos Didáticos com alunos da Rede Municipal de Ensino de Londrina. Também são desejos do maestro realizar ensaios abertos à comunidade, além de concertos que irão homenagear grandes compositores de trilhas sonoras do cinema. Para isso, diálogos e parcerias já estão sendo alinhadas.

Dentre as novidades para o público, explica, uma já será colocada em prática no início da temporada: a venda de ingressos com preços diferenciados a depender do setor do Cine Teatro Ouro Verde. “Para podermos diferenciar porque, de fato, tem alguns lugares do teatro que são melhores para assistir e escutar do que outros. É claro, todos são excelentes para escutar, mas existem locais especiais para você prestigiar um concerto, o que é já é feito em todas as salas de concerto mundo a fora”, conta.

Confira a entrevista abaixo:

Agência UEL: A temporada deste ano já está fechada ou o público pode esperar surpresas, como apresentações da Osuel ao lado de artistas e bandas?

Rossini Parucci: A programação foi dividida em quatro séries específicas e cada série tem um estilo musical. Uma série, que é chamada “Conilon”, que é o café mais popular, é voltada para música um pouco mais popular, digamos assim, e que teria abertura para fazermos qualquer coisa. O céu é o limite, como já foi feito anteriormente com a banda Senhor Bonifácio (de Londrina). Essa série é voltada para isso.

Vamos ter um artista aqui de Belo Horizonte que recentemente gravou como o Lô Borges e com o Flávio Venturini, que é um amigo que vai se apresentar em Londrina tocando músicas do Clube da Esquina com a orquestra. É o Neto Bellotto, que até é parente do (Toni) Bellotto, acho que do…

Dos Titãs?

Isso. Ele é baixista da Filarmônica, mas ele tem essa dupla carreira, também toca violão, canta e trabalha com música popular. Basicamente, já tocou com todo mundo aí do Clube da Esquina, o Milton, essa galera toda. Vamos levá-lo aí para Londrina para fazer essa apresentação, que é o “Tributo ao Clube da Esquina”, que é só de música popular, MPB, e com orquestra.

Sobre a pergunta que você fez que se a temporada está fechada, não, obviamente que não. Só que tudo pra nós depende de recursos e financiamento. É claro que tendo a oportunidade de  fazer um trabalho assim como foi feito, com certeza vai ser feito.

Nós temos outras ideias, como fazer, por exemplo, música e cinema. Uma delas é fazermos, por exemplo, “Senhor dos Anéis” com trechos do filme, ou “Star Wars”, que são sinfônicas, músicas sinfônicas que o público gosta. Beatles é sempre legal de fazer. Enfim, o repertório você tem, assim, opções infinitas para executar.

Rossini Parucci, maestro da Osuel.

A questão é, para a maior parte desse repertório, precisamos de muitos músicos extras, principalmente sopros e percussão. Que é exatamente o que dificulta um pouco. Nós deixamos, é claro, várias datas em aberto na agenda da Orquestra para que possamos, havendo recursos, fazer algumas surpresas aí para o pessoal de Londrina. Talvez aconteça, mas não podemos falar nada. Então, vamos aguardar e ver o que vai acontecer este ano.

Como você define o seu estilo de trabalhar, no sentido de buscar sempre extrair o melhor de cada músico?

Mais do que o estilo, acredito que o regente vai se adaptar à situação, à orquestra que ele está regendo. No início do trabalho, você vai trabalhar de uma forma, e conforme o trabalho vai se desenvolvendo, você vai se adaptando. Eu tive a oportunidade de trabalhar com eles já no ano passado. Já conhecia, claro, a orquestra, já tinha tocado, já tinha regido como maestro convidado em 2018, então você acaba fazendo um trabalho baseado no conhecimento prévio que tem do grupo. É claro que eu tenho planejamento da orquestra, se Deus quiser, se tornar uma das grandes orquestras do País ao longo do tempo, a gente está plantando uma semente para isso.

Mas, artisticamente, você começa um trabalho tentando extrair o melhor dos músicos que você tem ali, dando as condições para que cada um exerça sua função da melhor forma. E assim, é claro, nos ensaios você para, conversa, explica, mas obviamente no início de trabalho você não tem como abordar todos os aspectos técnicos ou interpretativos para uma orquestra com um trabalho novo. Então com o tempo você vai aprofundando mais. Como falamos, vai “subindo um pouco a barra” técnica de dificuldade do ensaio. Isso vai acontecer naturalmente.

Orquestra da UEL conta com pouco mais de 40 músicos e permanece em busca de novos quadros, segundo o maestro atual (Arquivo).

Nesse momento, quais são os principais desafios enfrentados pela Osuel nos seus 40 anos?

A orquestra, hoje, tem pouco menos de 40 músicos ativos e uma sinfônica tem cerca de 100, então dá pra você ter a ideia de como o número de músicos está muito abaixo. A gente não consegue executar todo o repertório sinfônico, hoje é muito limitado. Então, temos utilizado alguns meios paliativos, como contratar músicos esporádicos com a receita de ingressos, porque a gente não tem nenhuma outra forma de financiar isso.

É claro que estamos buscando junto à administração da Universidade, especialmente com o gabinete do vice-reitor, o professor Airton Petris, formas de viabilizar a contratação de novos músicos e claro que isso esbarra em várias dificuldades. A forma de contratação, conseguir cargos, depende de autorização do governo. É claro que existem alternativas, é exatamente isso que o professor Airton e junto com a professora Marta Dantas, que é a diretora da Casa de Cultura, tem buscado esses caminhos alternativos para contratar novos colegas e eu estou muito otimista que vamos conseguir isso muito em breve.

E outro desafio também é que se tem dificuldade de encontrar alguns músicos que tocam instrumentos específicos aqui na região, o que envolveria custos de viagem e hospedagem…

Com contratos, você abre uma audição e aí consegue literalmente qualquer instrumento. Claro que não apenas de Londrina, mas do Brasil. O nosso plano é que a orquestra seja uma orquestra de referência também não só em Londrina e no estado, mas no Brasil. Então, você precisa abrir a audição nacional, internacional e tentar trazer os melhores músicos possíveis.

Por exemplo, dos cursos que a UEL oferece, alguns são reconhecidos nacionalmente porque os professores são de alto nível, então o mesmo se aplica para uma orquestra. Temos que buscar os melhores músicos que pudermos trazer. E aí, no caso de conseguirmos abrir uma audição, fica um pouco mais fácil. Hoje, temos que trazer alguns instrumentistas de fora, pagar o transporte, alimentação, hospedagem. Como temos poucos recursos, então, é um pouco difícil. Temos que fazer um pouco de malabarismo para conseguir realizar os concertos.

“Mais do que estilo, o regente deve se adaptar à orquestra que ele está regendo. Conforme o trabalho vai se desenvolvendo, você vai se adaptando”, afirma o gestor Rossini Parucci (Fabio Alcover).

O caminho para apoiar a Osuel seria por meio de uma associação de amigos? Isso vai ser feito, assim como é o com o Festival de Música? 

Hoje, a orquestra tem um convênio com uma fundação dentro da UEL. O caminho para patrocínio é via fundações. Estamos discutindo formas de melhorar esse relacionamento entre a Universidade e essas fundações de apoio para tentar espelhar o máximo possível no modelo de gestão aqui da Filarmônica (de Minas Gerais), que, hoje, é o modelo no Brasil que todos tentam seguir, copiar. E é claro que esse relacionamento do patrocinador vai muito além de a empresa fazer um aporte financeiro, colocar o logo no programa de concerto. Precisa ser um pouco mais profundo para a empresa.

A empresa precisa ver o marketing de patrocínio como uma oportunidade de ter um engajamento maior da marca com o público, uma ativação de marca que traga algum retorno para a imagem dela, não só como responsabilidade social, mas, até mesmo de produtos e serviços. Então, estamos, sim, buscando alguns parceiros para patrocinar essa temporada e viabilizar inclusive estes outros concertos que não estão listados na Temporada Ouro Verde. Mas, o nosso cuidado é oferecer algo que seja realmente interessante para o patrocinador, que não pareça simplesmente uma doação, mas tenha um retorno mensurável e concreto sobre o capital investido. Obviamente, o maior beneficiado vai ser o nosso público.

Pensando na formação de público, estão previstas ações com as escolas?

Correto. Nós vamos realizar nossos Concertos Didáticos (projeto da Osuel que oferece concertos regularmente a estudantes de colégios públicos e privados de Londrina) e os alunos vão ter uma oportunidade muito bacana para conhecerem os instrumentos e o repertório. Tem um concerto que foi escolhido também, já pensado nesse programa dos didáticos, que tem a peça “Pedro e o Lobo”, com um narrador, inclusive dos canais Fox, que é o Edinho Moreno. Não sei se você lembra também da propaganda do Mastercard, “para tudo na vida tem o Mastercard”. 

É a voz dele?

É a voz dele. Ele vai vir até Londrina para fazer a parte do Lobo. Mas, temos, além do concerto didático, o objetivo de abrir os ensaios. No último ensaio de cada programa, queremos trazer algumas escolas também para ver esse contexto do ensaio. Temos vários projetos para escolas, pensando na formação de público.

Queremos sair um pouco do (Cine Teatro) Ouro Verde e ir para os bairros, nos distritos, para conseguir fazer um programa alternativo mais voltado para a educação, para preparar o público para ir para o teatro Ouro Verde e assistir os concertos da temporada.  

Rossini Parucci, maestro e gestor da Osuel.

E pensando neste momento em que consumimos música em aplicativos, muitas vezes você vai fazer uma pesquisa de uma determinada peça sinfônica e o primeiro resultado não é a gravação, mas é uma versão modificada, um remix, enfim. No seu ponto de vista, a lógica dos algoritmos favorece o consumo de música clássica?

Olha, música de concerto, as pessoas consomem quase todos os dias, elas só não sabem que elas estão consumindo, mas ela está em tudo. Se você gosta de games, por exemplo, Counter Strike tem uma trilha sinfônica. Se você for assistir à Champions League, é uma peça de (Georg Friedrich) Händel. Se vai assistir filmes, não tem como não ter uma orquestra sinfônica. John Williams, por exemplo, é um repertório sinfônico da orquestra. As filarmônicas de Berlim e de Viena gravaram recentemente. Então, as pessoas consomem diariamente, seja na TV, em jogos, enfim. Estão consumindo, mas não sabem. Acho que o nosso ponto é exatamente criar essa consciência nas pessoas. “Olha, você já gosta disso. Isso aqui já faz parte da sua vida, você só não sabe ainda, você não tem essa consciência, mas tá aqui, entende”?

“Não costumo fazer muita distinção entre música erudita e música popular”, afirma o maestro Rossini Parucci (Fabio Alcover).

Então, eu acho que, para a música de concerto chegar ao ponto de consciência, de consumo igual às outras peças, é uma questão de alertar às pessoas, mas construir em tudo o que elas já têm. E eu não gosto muito de fazer muita distinção da música de concerto e da música popular. Eu vim da música popular, rock, essas coisas, e eu acho que tudo é música, sabe? Tem os estilos, mas é música. Se você gosta de um, a chance de você gostar do outro é muito grande, né? Então, é mais uma questão de como você apresenta a música.

Por outro lado, o consumo de música de concerto nas plataformas é grande entre pessoas de 18 a 35 anos e uma das explicações pode ser um maior entendimento sobre a capacidade “terapêutica” das peças sinfônicas de combaterem a ansiedade. Ao mesmo tempo, vamos ao Ouro Verde, que está com uma acústica muito boa desde a reconstrução, e percebemos as pessoas conversando e usando o celular no meio das apresentações. É possível recuperarmos a concentração durante os espetáculos?

É porque a gente está vivendo uma época que tudo acontece muito rápido. Estamos sempre fazendo um milhão de coisas ao mesmo tempo, e aí se você coloca uma pessoa num espaço de música clássica, você pega um movimento de uma sinfonia, por exemplo, de Mahler, que dura 25, 30 minutos, um movimento. Imagina, a sinfonia tem quatro, você realmente precisa de um sério comprometimento em sentar ali para ouvir aquela obra. E isso não é só em Londrina, em qualquer lugar que você for hoje é muito raro você ver pessoas que irão conseguir não mexer no celular, é um hábito. E as pessoas conversarem, enfim. Então, é uma coisa de educar o público, formar o público para aquilo. Explicar, por exemplo, por não se deve tirar o seu celular e filmar um concerto. Hoje, estamos com essa mania de quer registrar e postar tudo.

Não sei se você já foi ao Louvre para ver a Monalisa ou qualquer outra obra de arte. Você não consegue ver alguns quadros, você só vê telas. Então, as pessoas saem da casa delas, do país delas, para ver aquelas obras de arte pela tela do celular. Então, a humanidade está perdendo a oportunidade de realmente ser um pouco mais profunda e apreciar de verdade o que está diante dela. Não temos mais paciência, é tudo rápido, é tudo superficial. E a música de concerto precisa ser apreciada.

Se você vai escutar uma 5ª de Beethoven, eu sempre uso esse exemplo, que é basicamente um bater na porta, ou seja, é a surdez batendo ali na porta de Beethoven. Cara, você tem que realmente parar para ver. Ele (Beethoven) vai lutar ali contra o seu destino, contra a surdez. É como assistir com os ouvidos. Então, é preciso tentar mostrar para as pessoas que a música sempre tem uma história, tem um programa, ou tem algo muito intrínseco acontecendo que vale a pena dar atenção. E essa é a nossa dificuldade.

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